03
Dom, Ago

destaques
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para Admmauro Gommes

e Osman Holanda

Se poesia se faz

com o máximo de palavras mínimas

então...

 

Viva a filosofia do irracional

que refrata a essência do id

 

por que cada sintagma vitorioso

é uma purga desinfetante

(para o intestino da palavra)

 

e o verbo existe

porque o fizeram os poetas

poesia é fazer não apodrecer o verbo

 

pois poesia é modo de usar a palavra

(puella mea do poeta) para indizer tudo

exatamente

e tudo indizer é dizer nada

ou não dizer porque quis (tipo dí-lo, porque quí-lo).

 

Ao inverso da prosa, verso é o como indizer coisas

verbais (ao extremo).

 

O viço (e a têmpera sem cansaço)

da fúria poética não vem do tenro calor

da palavra, mas da frágua viva do verso

da prometeica brasa, do ventre

da precipício da palavra, da borda

irrespirável de O. Marques

da gusa da lágrima vertida

do verbo vertiginoso acrobata da página.

 

Da lua oval vem a poesia

do ovário do céu fruto escuro

(que pater Hermes

do divo sêmen deu unção).

E das abissas entranhas da luz

vocábulos de sombra arrancou

sem fórceps de sílaba ou chuços de rimas

(só vezos de poesia).

 

Das águas originários e miletas das poesia

úmido canto veio, veio do verbo vital

verbo de barro vindo do barro do verbo.

 

Que indito bendito o poema?

Sonoro fonema amalgamado ao ser da palavra para

indizer o que de dizível diga a prosa

cósmicos estilhaços de letras poeta lança

no espaço da cinza lauda com fúria

e ali no corpo ainda ázimo do papel instila

sílabas aliteradas em forma originária

de verbal musicalidade  irrecusável.

Enfim, começa o sal do salmo da alma

do ato da palavra poética ritualmente

 desencadeada na página.

 

“Poema não diz – dixit Baudelaire, nada

pois nada é, ou melhor, é tudo”.

 

Ao arrimo da rima – esse muro

que detém o imaginário poético – oponho

a liberdade que jaz ereta sob a palavra Paz

na luta pelo poema, prélio da palavra

com o que ela, as palavras ainda não disseram

oponho o descompasso, a ambiguidade

o paradoxo, a assimetria, o hermenêutico

a maiêutica, o tônus irrazoável

trena ambígua, arbítrio vital

e a paixão infinita pela palavra-em-poema.

 

Oponho o romaneio e todo o credo da luxúria

todo incrédulo estribilho e o brilho dos matizes

a erma fecundidade do verso medido (ou enfermo)

e todo o coro das vezes contra o únivoco

verso prosaico consentido oponho.

Oponho a moira ao claro poético.

                                  

NOTA VITAL

 

Quando Eliot dixit: não existir verdadeiramente

verso livre (VL) “para quem o pretende para tal”

estava  a dizer: o verso é liberdade para quem

não pretenda escravizar a imaginação

estaticamente dirigí-la à lenda aritmética, reduzí-la a dígitos

numa desiluminação da lâmpada pitagórica a modo de treva.

Eliot foi só mais uma vez nova-mente irônica voz

(e em sua falácia escorregaram os poetas brasileiros

- com exceção de quem – ou quens?).

 

O VL whitmaniaconiano é vital (não letal).

Cabral, Bandeira, Murilo, Jorge, Cecília

se não foram imedidos do verso, foram sim

descomedidos da imaginação.

 

Murilo Gun

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