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A crônica é um gênero do jornalismo contemporâneo, cuja origem localiza-se na história e na literatura, ou mesmo, na comunhão das duas disciplinas radicais do conhecimento humano.

A crônica histórica (e não a literária, esportiva, política ou de costumes) teve precedência, e os primeiros cronistas, nesse sentido, foram Heródoto e César, entre os mais paradigmáticos.

O tédio, a distância afetada dos fatos, a aparente desimportância do mundo, expressos com acuidade e indiferença, sob o cinzel não da sátira mas do humor, da ironia e mordacidade, são alimentos nutrientes básicos do cronista, cujo objetivo na vida é dar uma dimensão sutil ou nuançada dos acontecimentos, em texto límpido e saboroso, oferecido ao leitor, cansado das tragédias e dos dramas cotidianos bebidos na leitura do próprio jornal.

A crônica como que neutraliza ou amacia essa realidade crua, cotidiana que o jornal não cria, apenas espelha.

A versão – ou deformação sutilíssima do fato, que é dada pelo cronista, deve ter o caráter da transitoriedade, de modo que se apague com o tempo, seja marcessível, objetiva, como o jornalismo.

Também, deve ter conteúdo leve – e nunca grave; ameno – e jamais complexo, em suma, comunicável de imediato ao leitor, que necessita sorver a crítica, com gula e sabor, hauto de vista do jornal e não num átimo de reflexão filosófica sistemática.

Se o leitor, por suposto, disser, depois de alguns dias: “agora que entendi, digeri a crônica de sicrano”, é que ela é bem indigesta, e talvez deva ficar num arquivo sanitário do autor e jamais estampada em jornais e revistas.

Em síntese, a crônica é o palpite descompromissado de quem, sendo um leitor ativo e perspicaz dos eventos jornalísticos, tem a função e o propósito de reabordar, reordenar, olhar, por outro viés, os fatos do noticiário (rádio, jornal, revista, TV), tudo absorvendo num texto elaborado, com tintas crônicas e mordazes.

Incidência menor a de crônica de costumes, que parte de um fato cotidiano, do acontecimento banal, e transcende-os, supera o tom sério, o tema grave, remexe-os, desmistifica, desmitifica, extraindo deles lições igualmente sérias e insuspeitas, mas nunca empoladas e graves.

Fazer crônica para uns é vaticínio, destinação dos dias, quase como o ar que se respira; para outros, incômodo ou incômoda rotina.

O cronista diário ou semanal do jornal dirige-se, por natureza, a um leitor real, que separa o jornal com as mãos e nele despeja suas ansiedades, colhendo saídas ou encruzilhadas, apelos, dissipações, certezas (daqueles que duram pelo menos um dia, 24 horas).

Quase sempre, o cronista comete seu texto pensando num leitor ideal, especial, artificial, perante o qual pretende desnudar-se, exibir-se, confessando, procedendo como se a crônica fosse teatro; o seu autor, apresentador de circo, domador de pulga ou palhaço, e o leitorado, plateia hipnotizada, cativa, perfeita. O que denuncia logo o falso cronista.

O anacrônico cronista de hoje em dia vê o texto como álibi ou chance de conversar-se, falando de si mesmo, como num processo de auto-análise lírica e desapiedosa, psicanalisando-se às escâncaras, como se isso interessasse ao leitor. Quanto mais longa, menos crônica. Quanto mais êunica, mais equívoca.

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Murilo Gun

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