02
Sáb, Ago

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                                                                                                 Vital Corrêa de Araújo

Desde que Adorno afirmou não ser mais possível fazer poesia depois de Auschwitz, aqui simbolizando o genocídio judaico da 2ª grande guerra do século XX, a pena hesita algo antes do poema.

(Adorno referia-se certamente à poesia lírica, no entanto esta resistiu, por exemplo, através dos hinos tristes de Paul Celan).

Na realidade, o mundo que adveio da guerra mundial de 1939/1945 trouxe uma diferença radical no comportamento, na política, na economia e na literatura. Começou a era da ideologia transnacional. Hoje a globalização é da economia (do capital e não da ideia).

A contaminação ideológica de ambientes (como o Brasil, a Argentina, o Chile) foi violenta, genocida, colocou irmão contra irmãos numa luta desigual e fraticida, que, no caso do Brasil, 50 anos depois de instalada em sua máxima radicalidade (1964) ainda se desdobra em seus perversos – e ainda não dissecados ou repousados – efeitos, reflexos, distorções.

Das ideias rebeldes da filosofia marxista (que em sua feição lógica, dialética, é positiva e viva) brotaram os surtos revolucionários, todos da classe média, muitos estudantes cultos dotados de um intrínseco humanismo. E se empenharam até à morte da rebeldia e da utopia. Que assistiram ser sangrada (a utopia da cidade de Deus na veia do homem) por vinte anos.

Quanto ao holocausto foi algo de extrema perversidade, animal, no pior sentido, revoltante, sujo.

                O espírito de revolta ou de estupefação subliminar ou afetivo passou a ser parte íntima e crua da literatura.

                O mundo perdeu a inocência, os escritores (criadores) se sentiram estuprados. E essa condição de desumanidade radical refletiu-se na literatura. A poesia com a marca de revolta, física ou estética, política ou filosófica, passou a ser escrita, cantada, decantada. Mas não purgamos os acontecimentos devastadores. O século 21 já nasceu furioso, corrompido, beligerante, assassino. (Bruta herança do anterior). E a poesia, o que será dela e de nós, poetas? É possível fazer poesia depois de Bush?

                Suspeita desde Platão, a poesia do século 20 foi a melhor feita até agora, mantida a exceção dos clássicos perpétuos (Homero e Cia).

                A suspeição continuou, ficou mais cerrada. O poeta, hoje, como ocioso (e brutal, desde Rimbaud), cheio de tédio, náusea e ideias não práticas, entregue a exercícios sem futuro, brincando com as palavras, como deus verbal, no horário de trabalho. O poeta continua sendo estereótipo (de desocupado, voador, cabeça cheia de borboletas, sonhador de libélulas, ocioso para quem negócio é inutilidade, quando o inútil é ele, poeta) também do século 21.

                A poesia continua suspeita desde Platão. É hoje o é ainda mais. Para ser fiel e consequente a essa suspeição e mostrar que hoje resiste ainda mais a tal imbecilidade suprema (até Platão, ok) mas a situação hodierna, mais de 2.500 anos passados, é de uma insustentável burrice, de um hipocrisia sem dó: eis a Poesia Absoluta!

Murilo Gun

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