Cláudio Veras
A poesia de Vital Corrêa de Araújo (VCA) é alógica, como um todo. O alogicismo é soberano.
Reina a descompreensão criadora. Ela (essa poesia, que Alberto Lins Caldas tachou de enlouquecida, delirante, inovador horror estético) brota das ribeiras do seu rico imaginário.
Aqui, em Heidelberg, quando o vi pela primeira vez (após percorrer alguns dos milenares prédios, paramos na ponte), VCA me passou um livro custoso de ler, em que me demorei, face ao êxtase do que era possuído a cada parágrafo ou verso. Era Burocracial.
Depois, me mandou Gesta Pernambucana e Bando de Mônadas. Se neles (nos poemas, agora, absolutos), há parte de sonho, são pedaços bem alógicos, condicionados em embrulhos de vertigem, também. Que desconstroem leitores com ideia de compreensão frágil, mesmo sensação de descompreensão, de desfamiliarização (do que se lê), de desconhecimento mesmo. Sébastien Joachim diria de desorientação, de sideração, estupor verbal e desconforto ou confusão mental.
Jamais é objetivo de VCA – poeta dizer. Algo fácil para qualquer leitor. É como que um sonho tão pássaro seu poema, diria. Que mexe com os ossos occipitais do leitor. E com suas condições espirituais. Que se frágeis, faz-nas temer.
Ele elimina, não só disfarça, ilude e rechaça todo referente (e todo o referente). VCA não aceita referência em sua poesia. Tema, essas coisas e tais, não têm guarida. São dispensáveis, obrigado. De nada. Daí, ser impossível “compreender” (assimilar com a facilidade que outros poetas oferecem), em momento algum, um verso vitaliano. É uma linguagem complexa e ambiciosa (ou inexpugnável estado de devir). Uma poesia que potencializa o caos, retira, extrai o máximo de potencialidade do caos do(s) sentido(s). E consegue:
Ele (VCA) não diz nada e tudo. A cada leitura, se descobre um poeta, uma saída, um labirinto novo, um novelo de significação, uma tela ou trela de sentido incomum.
Nada fora da linguagem há. Tudo fica no poema (o assunto é o poema, poesia). O mundo (e sua ideia) é o do poeta, as coisas, os fatos, a gramática, a verdade e suas sintaxes, e ele – VCA – inventa. Tudo é falso, é ficto, é imaginário. Toda uma imaginaria (como se diz em alemão) se pressente e se apresenta na forja dos poemas. Cada vez mais de novo ele é novo. No fim, uma extensão universal de potencialidades semânticas jaz na página, como cartas na mesa de um jogo infinito. Sua poesia é uma potência de dizer. Há uma família de relações entre os poemas de seus vinte e tantos livros um estilhaçamento de palavras, redondas reuniões ou conjunções de verbos e assembleias sintagmáticas ocorrendo e se espraiando nas páginas.
É uma poesia, resumiria, nuclear, alquímica (Atanor) e quântica (A eternidade é inútil).
Ultimando essas Primeiras, digo que VCA flerta com a bela incognoscibilidade, lama altamente frívola e descomunal. E flerta com suficiente ardor. Verossímil vital? Por fim, adapto o dito de Joyce: Se VCA presta para ser lido, a vida não presta para ser vivida. Pois ler VCA causa AVC.
Seguindo com os ses: se Vital menospreza a forma tradicional do poema é um fato... e viva Vital, que inova. O contingente é só acidental em VCA. Se seu poema inibe o sentido, este que se cuide. No mínimo, há meio sentido poesia dele. Embora ela trate do nada definitivo. A poesia diz o porque dela. E só.
A questão do moderno, marca do século XX, vou tratar adiante. No Brasil, houve um recuo, após a geração de 30. Ficamos envergonhados de ser modernos. Não houve a necessária separação moderno versus anti ou pré-moderno.
O moderno, em literatura, no Brasil, não conseguiu status autônomo, não houve, então, proscrição natural, por separação, do parnasianismo, perdeu-se o sentido do tempo, viveu-se literariamente uma mescla de presente e passado, sem direito a futuro. O parnasianismo nem é um clássicos, no Brasil, mas é mais vivo e modelar, o que é absurdo, algo completamente anacrônico.
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