para Admmauro Gommes
e Osman Holanda
Se poesia se faz
com o máximo de palavras mínimas
então...
Viva a filosofia do irracional
que refrata a essência do id
por que cada sintagma vitorioso
é uma purga desinfetante
(para o intestino da palavra)
e o verbo existe
porque o fizeram os poetas
poesia é fazer não apodrecer o verbo
pois poesia é modo de usar a palavra
(puella mea do poeta) para indizer tudo
exatamente
e tudo indizer é dizer nada
ou não dizer porque quis (tipo dí-lo, porque quí-lo).
Ao inverso da prosa, verso é o como indizer coisas
verbais (ao extremo).
O viço (e a têmpera sem cansaço)
da fúria poética não vem do tenro calor
da palavra, mas da frágua viva do verso
da prometeica brasa, do ventre
da precipício da palavra, da borda
irrespirável de O. Marques
da gusa da lágrima vertida
do verbo vertiginoso acrobata da página.
Da lua oval vem a poesia
do ovário do céu fruto escuro
(que pater Hermes
do divo sêmen deu unção).
E das abissas entranhas da luz
vocábulos de sombra arrancou
sem fórceps de sílaba ou chuços de rimas
(só vezos de poesia).
Das águas originários e miletas das poesia
úmido canto veio, veio do verbo vital
verbo de barro vindo do barro do verbo.
Que indito bendito o poema?
Sonoro fonema amalgamado ao ser da palavra para
indizer o que de dizível diga a prosa
cósmicos estilhaços de letras poeta lança
no espaço da cinza lauda com fúria
e ali no corpo ainda ázimo do papel instila
sílabas aliteradas em forma originária
de verbal musicalidade irrecusável.
Enfim, começa o sal do salmo da alma
do ato da palavra poética ritualmente
desencadeada na página.
“Poema não diz – dixit Baudelaire, nada
pois nada é, ou melhor, é tudo”.
Ao arrimo da rima – esse muro
que detém o imaginário poético – oponho
a liberdade que jaz ereta sob a palavra Paz
na luta pelo poema, prélio da palavra
com o que ela, as palavras ainda não disseram
oponho o descompasso, a ambiguidade
o paradoxo, a assimetria, o hermenêutico
a maiêutica, o tônus irrazoável
trena ambígua, arbítrio vital
e a paixão infinita pela palavra-em-poema.
Oponho o romaneio e todo o credo da luxúria
todo incrédulo estribilho e o brilho dos matizes
a erma fecundidade do verso medido (ou enfermo)
e todo o coro das vezes contra o únivoco
verso prosaico consentido oponho.
Oponho a moira ao claro poético.
NOTA VITAL
Quando Eliot dixit: não existir verdadeiramente
verso livre (VL) “para quem o pretende para tal”
estava a dizer: o verso é liberdade para quem
não pretenda escravizar a imaginação
estaticamente dirigí-la à lenda aritmética, reduzí-la a dígitos
numa desiluminação da lâmpada pitagórica a modo de treva.
Eliot foi só mais uma vez nova-mente irônica voz
(e em sua falácia escorregaram os poetas brasileiros
- com exceção de quem – ou quens?).
O VL whitmaniaconiano é vital (não letal).
Cabral, Bandeira, Murilo, Jorge, Cecília
se não foram imedidos do verso, foram sim
descomedidos da imaginação.