Claridade desabitada ocupa
minha sombra que se alastra
pelos desvãos escusos da alma
a hora devora estrelas, chovem
segundos milênios
sobre o rosto dos homens
(poetas registram os episódios da vida
com minúcias rimas
anotam com candura e pertinácia extremas
a zoologia do zodíaco, a geometria solar
e todas as casas do horóscopo
espreitam essa escrita)
de alguns ângulos obstinados da caatinga flagro
a silhueta de um cacto
suas arestas acúleas e carne úmida, bondosa
capto o silêncio ponteagudo da desolação
da terra devastada do poema colho
a cinza de uma quarta-feira extraviada
num verso apocalíptico de Eliot.
a paisagem do tempo amaro rio (Heráclito disse
que não tinha vírgula vírgula só fluxo)
(que devasta margem centro céu ribeira)
pedras tropeçadas das estrelas
ásperas bandeiras de jurema ocas cigarras
estilhaços de sal e nuvem amealho
nos bisacos de meu espírito desmoronado
poemas de água recolho das bacias de pedra
a manhã enevoa (ou esvoaça como pária)
do peso solar e espesso foices
afiam os pinos do meio-dia alicates
trituram asas dos anjos conterrâneos
surdo mormaço no corpo acampa
(com suas guarnições suadas e esquadros ásperos)
rosa mísera, pedra e intempérie
seixos que rolam do chão humano
colhemos na alma de pouca dura
de cada sulco sol, de cada sombra dor
do escombro que somos semi-edênicos
escravos da usura, objeto do pecado
ruínas empoadas em busca do caos da salvação.
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