O inflexível (e divo) Platão, republicano doente, fanático da lei
e vertiginoso arauto da realidade política
ático príncipe das leis éticas e rígidas (e áulicas)
porque universais reflexos do absoluto, aponta
obstinado braço firmemente a ermo, afora
(indicador dedo em riste como punhal roliço)
intransigente, catártico, ditatorial aponta
porta afora de sua sacra República soleira
expulsa poeta
indicando-lhe o vazio e abstração
limbo branco e exílio dântico pleno
como morada do ser da palavra
ostra de seus olhos filosóficos
fuzilando indignação (concha e lira de luto)
e justa aspereza, além
da certeza de que seu gesto salvará o Planeta.
(A todos abrindo porta estreita da Filosofia).
Não porque mordeu maçã qualquer
mas reimaginou a Criação
usou verbo como operário ao andaime
(para suplantar Babel atingir o céu).
Repetindo Deus Platão expulsou poeta
do paraíso da República
suas Leis com fome de porvir
devoraram e vestiram poeta nu.
Tua voz vem da sombra
de uma sombra de uma sombra de uma sombra
tu também és só uma sombra
não podes ser um nome.
Tu que vens nu dormes sob este umbral
és sombra do nome apenas sepultá-lo
na pedra (tua sina).
Não és digno da Ideia.
Tu, que simulacras sem cessar
inventas como louco pleno de delírio longo
sem pai desprezas sentidos da realidade
(criando dela imagem falsa, distorções fundas)
maquinando como sátrapa novas palavras
de ver e ouvir, de sentidos quase impossíveis
ou desastrados impregnados de perturbação
desregrados, ressentidos, contrasseres
escavando alienado caves de verbos
possuído de musas excessivas
demorado no imaginário (refúgio incivil) esperando
expressões de tempo ainda por vir
de será sem peias ou senso, estás fora
vate delirante (e teu ímpio estilete insensato)
talhando fantasias inconvenientes à lei
subvertendo normas que acorrentam
o presente a nós (citadinos perfeitos do passado).
Fazes mimetismo inverso (em verso, o que é pior)
és avesso ao modo comum das coisas humanas
e devidas (que tornas ébrias e devassas)
crias impossibilidades tenazes
tão patentes que parecem veias
fruto de entusiasmo ímpio e danoso
ao estabelecimento absoluto.
Ignoras expectativas do auditório.
Distorces verdades da palavra.
Iludes sábios com teu verbo sem nome.
Invertes a figura das coisas (com verbais sofismas)
o incomum senso inauguras
aturdes com tua palavra realidades
és impróprio, assimétrico, ambíguo, impassível
não mereces guarita da norma e dos homens
albergue das instâncias públicas que devassas
és contra maioria que te teme e ignora.
Estás fora da pura e definitiva República
junta-te a uns dantes quaisquer
após tempo antanho
busca poeta desedenizado (dedetizado)
tugúrio do mundo para tua obsessão moderna.
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