Manam fontes do meu desejo
ante a desordem dos círios enlouquecidos
de funéreas brasas mortas
e a cega luz que atrai o homem
calmos séculos passam como hordas de hienas
a devorar o tempo onipotente e apoteótico
sombras frágeis me imaginam antigo e pleno
do paço da igreja se me impõe harpa de vento
vejo o braço hebreu de Moisés
sulcando na pedra as palavras de Deus
sinto a nave meditar no meu peito
olhos adentro e a floração flamejante
do gótico arpejo inundar-me a boca
à sombra de anjos e nichos
a parcimônia da palavra impede
a virtude mística da vida expressa ao mundo
cerne o campanário sino impotente
a leveza da nudez, o velame e a madrepérola
a deliciosa graça do instante vivo e solto, a sólida hora
o tempo animalesco devorador de corpo e alma
a virtude da beleza exposta como fratura bela
a verdade intacta como abismo ou moça.
A sóbria nudez do ser, o dom do desprazer
o esplendor que ofusca, o verbo admirável e novo
os exatos resultados do acaso, a liberdade poética, alma
comovida do verbo profundo ante pálida
sombra da palavra dissoluta, toda a graça
depositada por Deus com minúcias expostas
no rosto das mulheres, cútis e calma
espírito sem sombra, dores de pedra, som ferido.
Gótida luz dos olhos dos lobos.
Cornucópias de cinzas para Fênix.
Turíbulos azuis. Arabescos de luz.
Círio para sátiros. Sereias de sombras.
Candelabros de sanha e penumbra.
Carcaça de anjo.
Úmida música de algo, sonho de relva.
Luz oblíqua lança
sombra sobre os olhos de vidro da mesa.
As nervuras súbitas, os estorvos bruscos
e o óbito do acaso pulsam em minha veia vasta.
À noite do tempo submirjo amanhã cedo.
É noite nas abôbadas e nos êmbolos mais claros.
É noite nos ângulos e nas mentes.
É noite nos escombros, nas ruínas, nos rostos
e na palidez dos arcos.
Dobre de ogivas, arcos dissolutos, cismas dolorosas
preces ajoelhadas, incêndios nus, luzes horizontais.
A noite é uma catedral distante
de viés azul pálido e frêmito de barro.
Onde habita deus gótico.
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