SALADA D’EROS
Mastigo alfaces
enquanto moscas
copulam no tomate.
TRISTEZA
Pela avenida dos pendões desfila
carreta de cana seca, palha, pó e cinza
enquanto sol canaviais fuzila.
FUYU
Borboleta flor flutuando
a Deus ébrio de orvalho
donos das manhãs invernosas.
PÉ D’ÁGUA
Com pés d’água
nuvem de chuvas grávidas
assombram coivaras.
VERDADE
Larvas citadinas
expectantes e famintas
aguardam sino ou caixão.
VELHO APOCA
Mesmo o velho apocalipse
parece metafísico, porém revolve alma
como gozo à carne.
DURA PLUVIA
Facas d’água de chuva
com translúcidos golpes de gotas assaltam
malha do rosto.
ESTAÇÕES DA VIDA DE UM POETA
(quintas confissões)
Da série Amores Estranhos
Amo profundamente
endecassílabos dactílicos
e morfemas perfumados.
Amo excessos de gramática
e adjetivos ingênuos.
Amo sobretudo
sobrecasacas de mortos
e quando posso
vou ao enterro puído de sobretudos
de sobrecasaca
(e sobrepeliz rubra).
Silêncio e sombra se amam.
CONCERTO AO NORTE
Ouvi a quinta valsa sonâmbula
num piano de Tocantins
e nunca mais esqueci.
RESPOSTAS A PARMÊNIDES
Como poderia
parecer o que não é?
(Sendo assim...).
POEMA MODERNO (CENA 1)
Teatro de cães abstratos
por cadelas de porcelana apaixonados.
Só a morte ou a rima nos separa.
VISÃO PERSA
Em Babilônia vi
Nabucodonosor gesticulando
muito (e os generais preocupados
com a campanha da Babilônia).
Ela praticava latim, piano, musculação
toda quinta-feira depois do expediente
na ala mais grave da clínica esquizofrênica
e nunca perdia o mau-humor.
Era sincera, autêntica, pesarosa sempre.
Considero o céu, sou aritmético com luneta
(e apaixonado por estrelas).
Mortos não usam mais sobrecasaca
enterram-se com camiseta pálida
(que nem cobre a alma).
Nem se olham no espelho
ou sentem o coração
(latindo por um final feliz).
Sumiram da vida, devolveram o sopro
que receberam gratuitamente
e usaram muito mal mesmo
levando a vida a uma rota sem saída
desperdiçando tanto alento para nada.
(E Deus é que é estelionatário?).
A TIGRES DE SIMETRIAS ABOMINÁVEIS E A BORGES
Para tigres não há limites. Hão de fazê-los homens.
Saltam como linces sobre alces
tranquilo sangue dos cervos rasgam
estraçalham etílopes (destroçam suas clavículas quase aladas)
no voo conduzem infinita e carnívora
ternura dos espaços preênseis
dos cumes também traem brancura mais ágil
mescla com suas listras rápidas
fuga e susto das vítimas
ao tempo dedicam fervorosos e ávidos
simétricas cópulas êxtases selvagens.
5 POEMAS DE OUTUBRO
Silêncio pousado entre ruínas
e um grito dentro do escombro
emboscado como fruto no escuro.
O consumo da miséria cresce
a olhos nunca vistos ou castos.
Fúria e euforia dos especuladores
refratam-se nos ágios do nojo
e na lenta cotação dos corações
assaltado por juros.
Pelo cálamo ou pela pena
pela espada ou pelo gládio.
O outro eu mesmo
és tu ou não sim
exato pois não.{jcomments off}