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Ter, Maio

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Sou, de certo modo (ou fui) especialista, por excesso de leitura, do poeta português Ruy Belo, falecido precocemente (edema pulmonar) a 8 de 8 de 1978.

Influenciou minha poética o que li de Ruy: A poesia é a forma por excelência do exercício da sabedoria da linguagem, é uma aventura da linguagem. A linguagem utilizada pelo poeta deve ser de tal maneira violenta, crescentemente violar os sacrários da língua, os redutos da sintaxe, as cidadelas da gramática (interpolo). Isso veio-me quando li o recente trabalho de Cláudio Veras (que me remeteu de Heidelberg): A violência da poesia.

                A poesia jamais pode ser rotina. O poema não pode se transformar em cópia de si mesmo, em contrafação, em penduricalho, em repetição de forma, isto é, formolizado. De Ruy Belo, anotei (1980): O grande poeta é aquele que domina o silêncio. É-se poeta, não pelo que diz, mas pelo que ficou a dizer. Porque a verdade está no outro lado das coisas.

                É exatamente meu pensamento poético. Da linhagem de Mallarmé, Valéry etc. Além do admirável trabalho de intertextualidade decorrente de sua extensa e intensa cultura poética, RB, admiravelmente, dizia: Ler algum poeta e nada lhe ficar a dever é perda de tempo. É decepcionante. O poeta faz o milagre da multiplicação da metáfora. É uma sorte de Deus.

                Ruy Belo morreu jovem ainda, porém deixou obra inolvidável. Ele de certo modo alcançou a consciência de si mesmo ao se defrontar com uma morte também jovem, precoce. O poeta defronta-se com a morte em palavras. E a poesia é como a morte inacabada. Ou inacabável. Pois só a morte é eterna como o verme. (Que poeta não teve certa experiência-limite?).

                Daí, chamo à colação, M. Blanchot: O poeta nasce do poema que cria. E a morte também é o poema. O escritor é aquele que escreve para morrer e é aquele que recebe o seu poder de escrever de uma relação antecipada com a morte. A obra poética é Orfeu. Pois a obra só é obra se é a unidade dilacerada.

                Essa incursão por Blanchot e a morte (que utilizei no poema) A morte e o rosto, in Ora pro nobis scania vabis , vem a propósito de um verso de Ruy Belo sublinhado no velho caderno: O receio da morte é a fonte da arte. Após esse verso, ele durou menos de um ano. Ressalto, no entanto, que o verso meu (vca): “Faço poema porque vou morrer” não foi movido por nenhum reflexão, mas veio de súbito, uma tarde de trabalho na UBE. Lembro que o mostrei em manuscrito a Carrero.

A grandeza poética de RB jaz na pérola: Quando uma sociedade se corrompe, corrompe-se primeiro a linguagem. Ele viveu sob implacável salazarismo.

                Finalizo, indicando os franceses Maurice Blanchot e George Steiner, como dos melhores críticos da pós-modernidade.

                De Blanchot, são imperdíveis: A parte do fogo (castelhano), O espaço literário e o inigualável O livro por vir. E o primoroso O instante de minha morte. De Steiner: Tigres no espelho, Errata, Linguagem e silêncio e Gramáticas da criação.

Murilo Gun

 
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