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Admmauro Gommes 

                Entender Vital Corrêa de Araújo (VCA) não é o mesmo que compreender sua poesia.

Esta é enigmática, hermética e confusa, bem próxima da representação complicada do mundo pós-moderno. Daí ser denominada por ele mesmo como neoposmoderna. Portanto, não vamos decifrar sua poética, mas adentrar o significado de sua fala, de seu pensamento sobre a poesia de uma forma geral. Tentemos alcançar o ponto de vista do poeta.

              Em entrevista coletiva, na sala de reunião da Rádio Cultura dos Palmares (PE), no dia 12 de abril de 2013, VCA foi acolhido pelos universitários da FAMASUL, onde estiveram presentes Ademac Gommes, Adna Taís Feitosa da Silva, Caio Vitor Lima Silva, Cícero Felipe da Silva, Douglas Henrique Tavares Rocha, Ednaldo Portela da Silva Moura, Farlla Caroline Rosendo da Silva, Gabriela Raianne da Silva, Maria Jailma Galdino de Moura, Marta Roberta Ramos da Silva, Osani Severina da Costa, Rozineide da Silva Lopes, Sylvia de Azevedo Beltrão e a professora Romilda Andrade. Na ocasião, expôs várias considerações acerca da arte e da vida, sintonizado com o tema proposto: “A essência do ser.” Como de costume, Vital condenou o verso de fácil entendimento, dizendo que este tipo de composição é prejudicial à inteligência do leitor.

               Na ótica vitalina, quando as pessoas “mexem” com a poesia elevada, na sua essência (a poesia absoluta), o cérebro multiplica os neurônios e aguça a inteligência. E arrematou: “Se vocês começarem a ler poesia fácil, o cérebro cochila e dá um comando: - “Mata esse cara!” Enquanto quando se sente instigado por uma leitura mais complexa, há uma revitalização cerebral dando sobrevida ao ser que procura um texto mais difícil de ser entendido.” Para destrinchar melhor esta posição que ataca o texto poético simplista como nocivo, transcrevemos alguns trechos da Revista Veja publicados em 19.08.1998:

           “O cérebro tem milhões e milhões de células conectadas, entre si, por neurônios - os microscópicos filamentos nervosos que conduzem os sinais elétricos. Cada neurônio pode ligar-se a outras 100.000 terminações como ele. O número de combinações possíveis pode chegar quase ao infinito. As conexões entre os neurônios (ou neurotransmissores), por onde passa a informação cerebral, são chamadas de sinapses. Quanto maior for seu número, mais inteligente a pessoa será (...) O cérebro bem estimulado em tarefas como leitura (...) pode esticar a longevidade de uma pessoa e evitar que ela sofra de problemas típicos da velhice (...) Numa pessoa intelectualmente ativa, o cérebro pode melhorar cada vez mais. Numa outra, que não lê, não estuda, não trabalha nem se envolve em atividade desafiadora para a mente, ocorre o oposto. O cérebro decai e envelhece, como qualquer outra parte do corpo não utilizada.”

               Os autores desta matéria (Thales Guaracy e Cristina Ramalho) sintetizam a discussão desse modo: “Atividades complexas ou inovadoras são a melhor forma de exercitar o cérebro. (...) Para expandir as ligações cerebrais, o ideal é não desistir da leitura de textos um pouco mais complicados.” Por este enfoque, VCA tem razão. Pode-se dizer que sua poética é incompreensível, como o próprio afirma, mas que há uma serventia muito grande e, seguindo o fragmento em destaque, devemos insistir na leitura de VCA, mesmo sem desvendá-la, mas com o propósito consciente de que a leitura sublima a mente e as percepções dos signos verbais estimulam a criatividade quando oferecem as tantas possibilidades de se “entender” o mundo. Pois, “Cada neurônio pode ligar-se a outras 100.000 terminações” tentando entender as metáforas fechadas de Vital. Como sabemos, ocorre em  número bem menor quando o sentido figurado já se apresenta exposto, sem nenhuma dificuldade para interpretação, exigindo, assim, menor utilização das sinapses e mínimo esforço mental do leitor.

                Mesmo que nenhuma das combinações pensadas seja passível de entendimento, mas o desafio diante da incógnita, da esfinge, ativa a inteligência e os neurônios se multiplicam. E quando perguntaram sobre a importância da poesia, ele respondeu:               

                “A poesia é inútil e é necessária, pois não tem utilidade nenhuma. Mas é inegável seu valor de uso. Ela completa o ser humano. E enquanto não se entender, não se dominar a poesia em sua essência, o ser humano está incompleto. Se existe uma coisa sublime na vida humana, é a poesia. Somente se chega à compreensão de si mesmo através da poesia. Mas tem que encarar a poesia mesmo.” E não um mero simulacro de palavras.

                No olhar do poeta, a sua escrita “não tem vínculo nenhum com o real. Primeiro porque a realidade é falsa, simulada; é uma máscara. A gente não está vendo o que é, é o que parece ser, o que querem que a gente veja.” E detona: “Eu escrevo para desconforto do leitor,” como no exemplo de um poema seu (Ave Sólida, pág. 63):

               

                Ao sopro que atravessa a espessura dos pássaros

                aos hinos que hibernam nas gargantas dos homens

                ao som que rompe os tímpanos das horas

                e vela o sono dos mares...

 

                É impossível compreender ao “pé da letra” esses versos, mas também é certo que a imaginação se espalha no olhar do leitor, e isso basta para perceber sua existência. Mesmo assim, Vital assegura que “poesia é puro lirismo, pois as palavras vêm do íntimo do id,” o que representa a projeção da visão pessoal de quem escreve. É poesia enigmática por natureza, como enigmática é a essência de todo ser humano que sempre se mostra incompleto. A esse respeito, o Coronel Reginaldo José de Oliveira, filósofo e historiador, que participou também do debate, fez a seguinte referência à incompletude da poesia vitalina: 

“Uma vez que homens e mulheres são seres inacabados, por que vamos, em um determinado instante, tentar compreender o que a poesia sugere? No momento que se pegar a poesia e entender os seus segredos, acabou... A importância da poesia de Vital está dentro desta faixa. Definir algo em poesia é acabar com a essência dela. O encanto da vida está na busca e enquanto se busca o absoluto, se encanta.”  

               

Murilo Gun

 
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