(flashes líricos)
Só o sal é imortal
(e não rima com morte ou cal)
Sino já não dobra mais
se o faz
dobra por ninguém
numa ilha sem Orfeu
em que o sol não se levanta mais
Cálices de ilusões sorva inutilmente
com a sinceridade dos lábios
da vida atra ficou uma palavra
extraviada do jângal de um poema
O que fica da vida é o brilho do orvalho
na folha da relva cravejado
a luz de uma pedra
o ângulo de um lampejo
a aresta desmaiada de um beijo
ou o desprezo de uma fonte
A vida deixou-me palavras e lodo
poeta as recolho
do sopro que reste e deito-as
nessas páginas tristes
sem desespero ou esperança
(de serem lidas ou desprezadas)
enterro-as em mim, serão
lápide oculta da vida triste que tive
cheia de momentos de iinglória
Fino brilho de teia e água
reflexo distante de aurora
aranhas que a hora depreda
ou que o esmo dispersa
lembram-me tuas veias nuas
Todas as dores da vida
são reais e passageiras
como a crueldade da seda
Horizontes cegos semáforos da vida
tumultos do mundo benesses vivas
A noite é caçadora
habitada de noturnos aromas
e o poeta sem aurora é um muro
abandonado no escuro
A noite plena de constelações senis
é como uma tarde esquecida num espelho
ladeada de alumínios sem lua
Sol fica preso
na vidraça de teus olhos passados
Sol ampara-se por trás
da orelha decepada de Vicente
Na vida entre dor e dor
corre o relógio sem data do amor
Canção de labareda
o sol viola
A noite se banhava
em teus olhos úmidos, âncoras, docas
onde lágrimas perdidas aportam
e a luz vem beber verduras
da horta do cais noturno
à beira do qual morriam madressilvas
e borboletas pousavam nas açucenas
que as pálpebras da tarde enlouqueceram
Noite
aurora inconsciente
bruscamente amor
(e verdade)
que o leito abandonou
iludida
pelas manhas das manhãs
Vivamos unos e sempre imortalmente
bebamos cada tostão da vida
até que lastro sucumba
alento nos abandone
e a crença ou a prata nos deslinde
nus e fiéis ao nada
E os muros do desespero permanecem
indesmoronados, triunfantes, vivos
intactos como abismos
Areis desmoronadas
muros troianos beijando a vala
heróis ao rés do chão
Tróia na lona, a pátina vencedora
triunfo do escombro
fibra destruída, o pó
que restou da pujança
joio que ficou da coragem
Cada sílaba mineral da dor de viver
pronuncio e cavo grito lanço ao céu
Fria estela do túmulo
lápide trêmulo (e surdo nome) lapido
em lugar do poema
têmpera de cólera vela
o que reste de minha vida (anti-hínica) ímpia
que não vale um sono de corça
(ou uma rosa brotando do asfalto sem nome)
Só o sal é inútil, entre tantas
utilidades taurinas (ele é deletério e lunar – o sal)
do mundo capitalista, definitivo
auge e zênite da formação do humano e da matéria
(em aliança imperecível, insustentável
com a solidão do sol)
Do túmulo da utopia lanço flor de náusea
verso comedido
conforme à consolação viva.
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