“que o poeta use, no poema, mais de
silêncio que de palavras” CDA
Abandonado pelas musas porque lúcido
sou apenas simples humano entre tantos (trastes hominídios)
que reza ao vazio ante às puras fauces do abismo
depois do túmulo das ilusões perdidas abeira-se a realidade capciosa
e vai ao ápice dos maiores centros de compra do mundo
depois ao beco das últimas lamentações.
(Onde ao tumulto do vômito sucede
a razia dos sonos cansados e o sonho
sob posse do deus lírico do álcool se alastra).
(Poema ao farto silêncio de que é feita a poesia).
VI I
Vi o mar morrer, a água exaurir-se com a vida
marítima e cetáceos da areia agonizante
vi suicídio de abelhas, pólem demolido, a cólera do mel
vi néctar derramar-se no abismo cego, amaro e puro
e astros hectombarem
vi a dor fecundar (fértil e dolorosa estirpe regerminar
vi planícies e planaltos copularem parindo ratos
e sombras de ratazanas enlutarem o sol
vi o triunfo das bestas e dos pastos blasfemos
insônias sitiarem meus olhos, a escuridão nascente
vi vômitos comungados em despenhadeiros amarelos
ocuparem gargantas, esôfagos, cânions da laringe
vi escárnio, opróbrio, usura, ódio, desventura
me crucificarem na esquina do mercado mais próximo.
Vi o sino das alvoradas bursáteis anunciando aurora de martírios
e éditos de sangue pregados nos púlpitos por diáconos obesos.
Vi agonizar o mundo e seus asseclas que se proclamam heróis de pano
capitalistas pesados, escravos, presbíteros do pânico,
banqueiros de Ectábana, prócer curdo
profetas de pedra (e suas vozes de tório e plutônio) oráculos metálicos
novos apóstolos do messias movido a óleo diesel e gás mostarda.
VI II
Vi Verhaeren ler Baudelaire
(que bebia absinto numa noite amarela de Paris)
ouvi débâcles e negras finanças esvoaçando
em meio a túmulos de ágios e vícios
vi a voluptuosa Vênus de Milo embelezar-me a clavícula
de gozo estético e fino instinto
vi Ginsberg se banhando no Ganges
às cinco horas de uma manhã indiana, o rosto
abençoado por monções e bênçãos de zênite
e Burroughs orando num templo de jazzen
vi o eco de Kerouac arrebentando
os tímpanos dos cânions rodeados de narcisos áridos
vi cafés de marfins, torres de éter, velocinos de ira e épura de ouro
vi abismos e deltas longos, vi trêmulos azuis, vi
cáftens selecionando rapazes
numa rua de Amsterdam, às 4 da tarde
vi Solomon ler Howl a plenos pulmões
na 7ª Avenida, e passantes vociferarem contra o futuro
vi Snyder e Corso amando-se sob chuva fria de Cleveland
na encosta da auto-estrada sob fulgor deserto das estrelas de abril.
Vi gerúndios abandonados boiando
em meio a destroços de palavras.
Vi gerânios e debêntures amarelados.
Ouros irônicos destemperados, vórtices domesticados.
E restos de frases enferrujado.
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