Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque
Vital Corrêa de Araújo – Coração de Areia – FUNDARPE
É encantador o Coração de Areia de Vital Corrêa de Araújo, livro de poemas lançado pela Fundarpe. Concebido com apuro de quem enxugou léguas de palavras, estrutura-se, com consistência, em torno de um tema-título que se desdobra ao longo do livro, em cascatas de metáforas e símbolos. Harmoniosa sua poesia flui com naturalidade entre conceitos concretos – quase rudes – e imagens abstratas e sutis. Infinitamente sutis: “...órgão oco e muscular, habitante da cave do tórax e bebedor de sangue...”
“Coração, casa velha... turvo leopardo, andarilho rubro arroio louco, oásis súbito...”
Palavras e imagens essenciais ao exercício poético – que não podem ser consideradas gastas – são usadas, sem medo, enlaçadas a momentos poéticos de extraordinária originalidade. E a originalidade é um dos componentes fundamentais da poesia, em particular da poesia moderna ou pós-moderna:
“Lançado no mármore da eternidade este teu coração fugitivo e inúmero porque a tantos repartido como pão devasso”.
A camada sonora dos poemas, sua orquestração, os valores relacionais dos sons, convidam à repetição dos versos, ao desejo de decorá-los (“cor-cordis”), na tentativa de incorporar seu ritmo, um tanto blakeano. E por falar em Blake:
“Que tigre nele rege a paixão que ruge?”
Assim, o tema “coração”, mote do livre e marcapasso de sua estrutura é resgatado do lugar comum e reinvestido de outras dimensões simbólicas. O poeta é consciente disso. O resgate é intencional e pleno:
“Frágil taça de emoção, vaso de fecundo olvido, terra inútil, músculo vazio”.
Portanto, pouco resta ao leitor que pretenda louvar tais versos. A poesia é sempre mais eloquente que prosa rude – sobretudo quando amadurecida e apurada como a que Vital Corrêa de Araújo acabou de estampar em livro. Seu trabalho é um claro emaranhado de metáforas, em perfeito equilíbrio, a um passo da escandalosa beleza do barroco, hoje considerado o idioma internacional da cultura. Suas formas se engrandecem em torno de temas universais e atemporais. A “Fuga do rosto” é um poema apurado. Bom em qualquer espaço ou tempo. “Dois quartetos de corda” é um encanto ao som de Mozart. Com seu Coração de Areia, Vital Corrêa de Araújo, conhecido poeta do urbano, renasce como um poeta forte.
Então, que cesse da antiga musa o canto, enquanto desisto de continuar expressando meus entusiasmos por uma poesia que enaltece a si mesma.
Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque é escritora,
Tornou-se conhecida nacionalmente em 1990 ao publicar
o romance epistolar. Magnificat – Memórias Dia-
crônicas de Dona Isabel Cavalcanti. Médica e professora
da UFPE. Psiquiatra e autora de 5 romances do gênero
metaficção historiográfica.