Um tema árduo que teço há tempo inútil e certeiramente – qual uma meditação vital – é o da unívoca desaceitação geral da questão crucial: a equivocidade absoluta (e necessária) da linguagem poética – do poema como condição da poesia (poesia).
Ir à metáfora (ou hipermetáfora, conf. Admmauro Gommes) ou à hipercomplexidade (cf Marcondes Calazans) é o caminho da poesia, sem o qual se vai a uma pré-poesia no mínimo.
Isso desemboca no polifacetismo de entendimento poético, no aberturismo da obra poética, na avidez do polissentido, na infinitude da compreensão... e mesmo na total incompreensão do poema. Pois o poema não precisa ser entendido – ou seu entender-se diz respeito só ao poeta – e nunca jamais a nenhum leitor metido.
O poema deve estimular a expansão do movimento criador da mente ávida de coisas novas, novas aventuras, desafios hieroglíficos, situações esfingéticas, em que o banal é devorado (e o equívoco devorador).
O poema produto da demiurgia e do delírio, fruto de inesgotável esforço imaginativo do poeta exige leitor mais imaginativo ainda capaz de abrir na veia do poema vias inesperadas de novos sentidos inesgotáveis. E nunca qualquer univocidade barata, como se costuma.
Do tema da necessidade imperiosa do poema multiequívoco, trago o desafio: dos poemas a seguir alguém daria sentidos únicos, fáceis, visíveis, imediatos?
Moscas se repetem (repletas) na visão crítica.
Nenhum passo amplo esgota o exíguo
(vence-o, possui-o) porque apenas o atravessa.
A chaminé pende para o céu devagar.
Não há sonho meu. Há sonho mau.
O ermo lirismo, o muro contra o lírico novo
o deserto de hinos é inaguentável.
Toda penúria deve-se à evasão do imaginário.
(ou a sua impotência clara).
Se rato sai do silêncio do ralo
para olhar a lua, por que poeta não?
O dado da imaginação é o ato poético.
A ação poética é imaginária.
A luta poética é do âmbito do delírio.
Vale a pena sair (de si, do outro, de onde)
para ver ruínas (lunares ou não).
Uma dose de lábio de cicuta vale o poema.
Do zero poético absoluto ao novo poema.
Todo poema deve ter o sentido corrompido
o significado distorcido sob pena de não sê-lo.
Basta de exuberância lírica fácil (ou falsa).
Qualquer estação (menos o outono) é poemável
(a primavera infernal idem).
Sentidos claros, se múltiplos.
Para cada leitor novos sentidos.
Pormenores de labirinto amam poetas
e suas sombras devassas.
Um eito de cálice para o vinho do peito.
Se algum desses poemas (improvisados pelo delírio do id) for de sentido fácil, descarte.
Pois a poesia não tem necessidade de sentido imediato. Ela reside na multiplicidade de sentidos (e de leitores insensatos o bastante para incutir outros).
As palavras fazem o poema independentemente dos sentidos que o poeta queira impor.
Se os adjetivos forem irresistíveis são substanciais.
O muro do verão o poeta abate para olhar a cor do outono pelos olhos do verbo.
Ou qualquer metáfora inversa para aflição do filósofo crítico.
Excesso de claridade poética ofusca o poema.
Da fábrica de imbricações vitais do verbo vive o poema.
Da represa do sentido seca o poço da imaginação.
Um verso é um verso: nada mais.
Castelo do Magano (29/30/08/2015)