A corrente hermenêutica crociana, primado da intuição sobre a razão, fragilizou o conceito de poesia como tensão intelectual, e o movimento contrário à poesia ingênua, de que a de salão, de álbum, de destreza e jogo, e lírica sentimental derramada, isto é, sorriso da sociedade, era paradigma, no Brasil, dominou até 1920.
Pound, Eliot e companhia advogavam uma poesia séria e encareciam o valor intelectual como elemento vital dessa nova poética, que não admitia alianças e meio-termo mas exigiam predominância absoluta, numa ação poética de terra arrasada contra as cidadelas “parnasianas” da poesia sentimental e preciosa. (Com cinzas de quartas-feiras ergueram fortalezas, que lustram o oco dos homens na comburida terra.)
A única aliança que os ultramodernos admitiam era o elo sólido “de fantasia artística e rigor de pensamento” (conforme reza Alfredo Bosi).
Só poemas dessa estirpe ou carnadura, dessa feição ou medula seriam capazes de resistir à usura do tempo, à corrosão das horas sobre eles derramadas como ácido impiedoso (pela piedade parnasiana).
Acresce Bosi que “foi essa inteligência moderna da forma – rede de fios sensíveis e cognitivos – que permitiu à crítica anglo-americana absorver elementos de análise simbólica e lógica da lingaugem” e assim forjar toda a complexa estrutura hermenêutica e apurada sistemática de recepção da poesia moderna prevalecentes no século 20. Assim fêz-se a lápide da morte da visão crociana da poesia em que a intuição submete a razão.
De outro ângulo (ou outra clivagem) a crise de uma prática de poesia instalou-se e contribuiu para a mudança de uma concepção solar de arte para outra (ou revolução coperniciana da estética literária).
A nova poesia contrapunha ao conteúdo da beleza cósmica ou metafísica a introdução do sujeito como centro da ação, embora não necessariamente figurando na primeira pessoa do verbo poético.
A desconfiança de que o predomínio do subjetivo na poesia levasse ao afrouxamento dos laços milenares entre o homem e o divino ou trouxesse em seu bojo o sacrilégio da submissão da natureza ao psicológico foi banida em definitivo com a morte da figuração pelo cubismo e o advento do surrealismo como força nova capaz de vencer toda inércia, e despertar o por vir.
A poesia complexa que valoriza o intelecto e despreza o simplório acompanhou a ascensão do pensamento burguês, pragmático e sofisticado, que decompunha e ridicularizava a ingenuidade da poesia devastadamente lírica.
A poesia lavorada e sentimental, que até hoje predomina em certos estratos da literatura ainda sorriso da sociedade, choca o burguês por sua simploriedade e gratuismo, o que o leva a dela zombar e dar de ombro.
Caímos na armadilha que nós mesmos armamos.
Cada poema é um dejá-vu (ou dejá-lu). Há excesso de mecanicidade e lugar comum (como a horripilante rima sonho/tristonho). Repetição. Precisão cirúrgica, quando é poesia, não medicina? Há um patente e quase consciente falta de criatividade porque faltam rima e tema elevado?
A poesia é só lavor ou só informação. Alguns capricham na artesania poética. Outros mandam a lição ou notícia de fatos recentes (tsunami, eleição de Dilma, etc.) quase prosaicamente. Isso desvaloriza a poesia e o poeta. E faz a sociedade rir de nós, porque fazemos uma poesia que é sorriso da sociedade.