02
Sáb, Ago

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Disse Aristóteles que o começo de toda filosofia é o assombro. Surpreender-se, maravilhar-se, estranhar-se (e entranhar-se também) é começar a entender o mundo, o homem, as coisas. Lavar enigmas – e podá-los ou poli-los é o esporte e o ofício de luxo dos intelectuais. 

     O poeta é um intelectual – usa o intelecto mais que mera emoção, que é uma fraqueza humana, algo que o faz possuir-se pelo ego – e dispensar o id que é a Musa. Possuído pelo ego, ele fraqueja, a mão treme (umedece a alma) e o poema sai eivado de razões íntimas, impublicáveis, personalistas ao modo de só fazer sentido para o si ou outro em situação frágil. 

     Intelectual é qualquer um que se assombre com a beleza do mundo (em especial, aquela invisível que só a poesia traz à tona), que se maravilha com a obra natural de Deus.

      Que se sublime  com a geometria do tempo e equações vitais, com as veias e os veios quânticos que prospectam e circulam pelos túneis da imaginação, que a linha férrea do espírito encarrilha; eu se sublime com a ganga pura e a pepita lerda captada das minas da amplidão, que é o Ser. Se assombre e comece desse assombro a entender o mundo e dizê-lo.

      A linguagem natural de dizer o mundo é a poética.

A poesia – de vário ângulo – é mais verdadeira que a ciência. Poética, porque até um prosador, para sê-lo (ou ser um São Paulo), precisa ser poético, ter a sensibilidade da palavra, a dor da pele da alma.

      É imprescindível (a quem se queira poeta) mirar, olhar o mundo, a vida, a sociedade, as coisas, os fatos, com olhos dilatados de estranheza, as abobadas prenhes de assombro (como Camões, Pessoa, Cervantes, Dante, João Cabral, Rosa, Murilo, Drummond). Borges dizia que é preciso sentir que a vida é sonho diurno. Mas, de onde brotam o grito (agônico) poético, o assomo ao íntimo da palavra, a penetração do útero do verbo, numa ação maiêutica total; de onde quando irrompe o pódio poético do qual o silêncio se arremessa?

      Tudo parte, nasce do lirismo de que está entranhada a alma do escritor. Toda e qualquer gênese literária começa do lirismo, do potencial lírico (que se atualiza no poema em verso ou prosa), da subjetividade, e só depois alcança foros objetivos, cidadania no nível da língua, tornando-se factível em forma de romance, conto, poema, etc.

      A criação literária inicia-se por um sondar-se que é um ato, a prospecção subjetiva (com pinças e martelos psicológicos) e tornar-se projeção objetiva um dar-se à luz da página, no berço do texto, feto escrito.

      Do predomínio de um ou do outro é que sai o poeta ou o prosador.

Murilo Gun

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