Essa mania, essa anelo artificial de perfeição formal externa, essa arte de relojoaria verbal e ourivesaria rímica, essa performance métrica, esse lavor versificatório todo, tudo é insincero, falha de originalidade, artifícios forçados. Não há fórmulas de naturalidade, já fuzilava, há 70 anos, Tristão de Athaide, o grande pensador católico brasileiro e crítico literário de monta. História do modernismo.
Oscar Wilde, da prisão por homofobia inglesa, a um amigo, dizia: “Se eu passasse toda a minha vida futura lendo Baudelaire em um café, levaria uma existência perfeita”. Para uma alma requintada, as coisas banais, simplórias – que a multidão ama – são artificiais e forçados.
Mallarmé e Rimbaud – gênios da raça francesa – foram espontâneos e complexos, não simplistas e mecânicos.
O verdadeiro artista da palavra – arte difícil, enganosa, complexa – é sibilino, simples artificial, mas não fácil.
A messe vital do mais opulento engenho vital – qual um demiurgo siderurgiando o verbo – é intrincada e complexa, embora espontânea e de certo modo simples, pois não é eivada de cálculos, trenas, busca de infiéis sons finais harmônicos e artificialidades mesquinhas.
O poema limpo, lavorado, bilaqueado, cromatizado é artificial embora exótico, sobretudo simplório demais. Lírio sujo, natural, é poesia vera.
No poema neoparnasiano, as expressões soam em falso, as imagens são rebuscadamente forçadas ou desgraciosas, posto que plena de artifícios baratos, face aos artefatos usados. De inspiração trivial e gosto duvidoso. É oca e falsa, embora aparente arte nobre e pura. Objetivo das dominações materiais para fins culturais.
O poema tem por conteúdo algos estranhos ao coração poeta. Não basta sentir para ser poeta – e cursar metrificações. O valor da poesia está no cantar as coisas alheias ao seu coração, dizia Tristão, em anotações minhas dos livros críticos do grande Alceu de Amoroso Lima.
A simplicidade (e o cálculo) leva ao artifício. A complexidade da alma é um dínamo poético. Sem trégua. E indomável.
A alada graça da humana fêmea é tudo
Poesia absoluta dá asas ao espírito.
Concede bônus de fogo à alma.
Nela eram três os entusiasmos.
A loucura, a mulher, outra loucura
que não diz o nome, e a natureza lírica
da vida.
Os grandes – e rosados – lábios íntimos
intumescendo o anelo animal
os inigualáveis olhos abovedados
de lento azul e íris furiosa
e a alma plena de desejos inimagináveis
(mesmo impublicáveis, de tão impúbicos).
Os olhos dela subjugam.
O rio do tempo (heraclitiano fluxo e impuro
da vadia horda da hora) estanca em mim.
E a eternidade do teu olhar não passa.
Ou melhor – e mais felino – a eternidade toda
começa num mamilo teu.
És como jorro, raio, gota de luz, sal vital
a levar o infinito à eternidade do gozo.
A bordo do abismo, voo.
Trêmula nuance de ti alucina.
À montanha do tempo, à morte viva, esse rato
que os navios da vida abandonam.
Sudário, ataúde, baunilha.
A vida caminha estrada afora sem oriente
ao norte da morte, rumo sem sentido. Absoluto.
Todo caminho reto é recuo.
Ouro onírico vale mais que o metálico.
Busco saciar vital soledade em ti.
Solidão a um, solidão sem Deus.
O outro extermina a solidão.
Dissolver-se no ser. Não dissolver o ser.
Poesia: alma do fogo da alma.
Onde vivem as infinitas horas?
Em que nicho proliferam?
Quanto dura a eternidade, afinal?
A poesia leva aos olhos
escusa luz escassa... e eles sedentos de treva
recusam.
O fluxo dos ecos, a chusma dos reflexos.
À luz baça da vidência
à luz lassa do delírio.
E se vais à árvore conhecer a vida
irás ao pecado embelezá-la
(de gozo e poesia).
Só o cadáver não mais crê.
E vermes só creem em cadáver.
E nem larva teme cadáver
porque ele também é larva.
Não busque esclarecimentos do poema
ele não é bula nem bíblia
nem queiras tirar dúvidas à razão:
cúmplices destecem o ser.
Qualquer curva é reta
qualquer norte ermo
qualquer rota rota é humana.
Todo ser deserto.
Ascender à resplandecente e majestosa
eternidade, mesmo à custa de luz inferior.
Já vi Deus nas rosas do jardim selvagem.
Tal como Hermilo, o viu no pasto.
Amo as cinco horas que me acordam
a ver a gota vagarosa do orvalho
na haste do pássaro pousar, escorrer
pelo rosto da dália
junto à janela
ainda aberta da alma.
Quando desperto pássaros, vejo
a luz do voo alargar, crescer
o céu, rosas múrmuras, néctar sorrindo
abrir o poema as asas...e
a manhã pousar na página.