Pertenço ao sal, sou da linhagem da terra
ossos, ombros, fêmures do espírito, proteínas do futuro
doarei à terra quando morte navegar meus olhos tímidos
quando sobre meu rosto sombra sepultar-se
basalto pesar sobre a alma
e verões morrerem como cães do Iraque
quando morte aportar em meu corpo
darei sangue ao sal da terra
voltarei ao cristal, serei safira ou infância
translúcida colorida hecatombe
me banhará o rosto demolido.
(Mas não esquecerei o risco
o desespero dos lipídios
a voragem da glicose absorvendo-me
observando-me).
(Uivando sobre sombras, sobre chamas mortas
continuem as engrenagens desesperadas
e as moendas do tormento continuem
bosques da náusea e frases
que poetas excomungam).
Do delírio plantado na alma erma e regado
com água esquizofrênica nasce lírio (e palavra)
a papoula nasce da lástima do árido
do credo de cães enlutados
em latas de raiva
ou do campo de batalhas avícolas
encordoado grito
que ensurdece os matadouros
mas não comove as barras magníficas
de ouro dos empresários
que vivem da fome do mundo
refestelados do imo da miséria
nutridos da desgraça exponencial.
Após minúcia da revista
que enorme gendarme impõe
aos curiosos convidados aldabra soa:
flanqueiam-me a porta da frente
e guarda obeso de libré dourada abre-me
átrio que brasão de aveludado flandre encima
enquanto pende rastejante longa bandeira
de nobre deposto (conde triste:
cabisbaixo ou de cabeça abaixo).
Sege avança por jardim de buxo
adentra alameda
ladeada de relva tímida
cor de esmeralda suja (e breve)
que sombras de rosas curvas contemplam.
Meu olhar sereno, debuxa-o
aurora lenta cuja loa tem
cor de abelha
e sílaba de alçapão
de caçar borboleta.
Quando empoada cabeleira
madeixa impávida de lacaios retos
e lustrosos como aios de outubro
adentra salão de prata
começa desfile atento
que jovem pajem anuncia
aos quadrantes pálidos do imóvel palácio.
Intramuros agoniza reinado
no prado ergue-se caça ao veado
cães faro da luz seguem
até azuis confins do horizonte.
Nada resta senão saliência do orvalho.
Leis da decomposição não as revogam
egípcios unguentos
nem contêineres de formol.
As leis da decomposição são exatas, minuciosas
operam à toda prova.