Edições Bagaço/Instituto Maximiano Campos - 2009
“Tudo leva a crer que o cérebro peritemporal do compositor e do poeta seja três vezes mais largo do que o de seus leitores-auditores (Cyrulnik e Duval 2006:19-23). São pessoas envolvidas a vida toda com a artisticidade verdadeira. Sua vida é uma vida de criação. Seu destino, um destino de poeta.
Assim é que pensamos ser César Leal e Vital Corrêa de Araújo, com as devidas ressalvas de ordem contingencial.
No Panorama Literário (Diário de Pernambuco, Recife, 1/3/1985 – B-6), Mozart Lopes de Siqueira, tratando do “imaginismo de Pablo Neruda”, sublinhava “en passant” a que ponto “Invenção da Noite Menor” e “Soneto Acrobático III”, de César Leal, se distanciaram do tipo de imagem poética de seus confrades poetas, por sua singularidade. Coincidentemente, na mesma página literária, Silvio Roberto de Oliveira saudava igual especificidade nos poemas de Burocracial, que acabava de publicar Vital Corrêa de Araújo.
Portanto, a aproximação que acabamos de fazer não é fortuita. No entretanto, tendo enaltecido o talento superior de César Leal em vários ensaios publicados no Rio de Janeiro e alhures, concentraremos nossos esforços desta vez sobre VCA (Vital Corrêa de Araújo).
Nesse volume, apresentaremos este poeta como o poeta da metáfora. Mas não se trata da metáfora dos clássicos retóricos. Para melhor entendimento, é preciso voltar aos alicerces corporais e mentais a que nos têm introduzido Boris Cyrulnik e Philippe Duval (Psychnalyse ET Résilience, Odile Jacob, Paris-2006).
A vertente épica aparece em 1977 no poema Dura-habilidade do herói, feito anunciador do livro “Gesta Pernambucana” (1990) dedicado às grandes páginas da Restauração Pernambucana. Este livro, oferecido à pintora e poeta, Ladjane Bandeira, baseou-se – e foi solicitado por ela – no álbum Tricentenário da Restauração Pernambucana (gravuras, de que só restam dois exemplares).
É preciso reconhecer que, haja visto o plurissentido do titulo do poema, é fortemente provável que se esconda por aí algo similar ao texto A tecelã. E não é por acaso que, quando Gesta Pernambucana foi escrita, já fazia parte da vida brasileira a onda de comemorações acopladas à busca de identidade, que caracterizou o trabalho de Ariano Suassuna e que virão reforçar Os Heróis de César Leal, os romances de Raimundo Carrero e Cláudio Aguiar, a publicação de diversas antologias de poemas sobre o Recife, nas pegadas de JCMN.
A essa tentativa de recuperação da memória, ao emergir de dois projetos de revalorização do Recife Antigo pelos poderes públicos, um poeta da envergadura de Vital Corrêa de Araújo não podia se eximir.
Este livrinho (Burocracial) de 95 páginas é uma antologia de poemas publicados apenas cinco anos após o livro de estréia, uma galeria de jóias verbais minunciosamente talhadas, por um ourives da palavra.
Já encontramos uma lei explicativa da proximidade do diverso, dos mais estranhos objetos e dos mais desconcertantes predicados em Vital Corrêa de Araújo, o poeta da metáfora. Por trás da metáfora, diz Ricoeur, há Eros ou o prazer dos sentidos (retenha a polissemia da expressão), há a presença do desejo de ligar tudo que existe (seres, entes, coisas de toda natureza) num coito sem fim. Porque, segundo o filósofo, “A vida é única e universal, toda em todos”; é desta matéria que o prazer sexual participa (1960: 119, 146-147; 1998: 449). Mas Paul Ricoeur acrescenta essa ressalva: a Eros se opõe Thanatos, e essa força de desestabilização e de corrupção leva ao desabar do desejo. Daí, a presença, na poesia de VCA, da onipresença da morte, o oposto do entrecruzar-se do todo.
Porém, estou plenamente de acordo com o crítico César Leal, quando afirma que VCA ultrapassou os limites do modernismo. E nosso estudo sobre o sublime o prova.”
Do livro O Destino Poético de Vital Corrêa de Araújo – Sébatien Joachim – Edições Bagaço / Instituto Maximiano Campos 2009, 141 páginas.