A palavra em devir
o verso desvairado
o pleno aberto, a veia exposta da verdade
incerteza e esperança de mãos dadas
o indelével súbito e trêmulo.
A hora dos espelhos, rompimento da aurora
o hímen da manhã esfolado pelo falo de luz do sol
o átimo do amanhecer como a morte
o brilho incrédulo, a tez faminta
faminto sonho do qzar
o estofado do trono entupido
esfarrapado o domínio
e a glória inchada de desdita
e o dom agonizando como um domingo.
O lirismo das horas proibido
a épica do tempo interrompida
soterrado o dionisíaco
a colheita destruída
o enxame dissoluto
e a alma espalhada como palha
ou espantada como pássaro pelo espantalho.
Claustros envelhecidos
rosas mortas do pátio branco puído
clérigos embriagados com a glória e o álcool
homens e copos solitários no ingente mosteiro
o mundo dentro de nada
o homem fora de si
a vaidade naufragada na própria baba
o instante indistinto
a ternura esmagada
conventos tão polutos quanto fezes ou anáguas
como a vontade ou o instinto do homem deserto
Deus incandescido, descontente
com o coração escuro da criatura
planos inclinados contra a alma
esmaecidos e tristes amores
tecidos bêbados de silêncios
teares e tabernáculos arrombados
ramos que o vento dilacera
flores que o outono disseca.
E meridianos apontados celeremente
a meios-dias devorados
por tardes de faminto Saturno.
O espirito lavado com sabão de abutre e água húngara
a verdade rachada como um limão, espremida como a mentira
coração sem punhal ainda
hospitais onde passeiam
assépticas tristezas brancas de dor
e o odor à morte santifica
hinos estáticos, prantos sem parto
angústias decifradas ou amordaçadas ainda
com comprimidos decimais instruídas
odores nauseabundos como lugares ou legumes
a purgação de si questionada
o eu aberto como pústula
ou panarício desesperado
a identidade removida como esparadrapo
o solo encruado do espírito
e as vísceras do sal afastadas como relíquias
a nostalgia cósmica incontida
o amor terrestre diminuído
gota de sangue em fuga do coração
cega travessia da existência
como pêndulo dessincopado:
a vida, o poema, a verdade sem rumo.
Aturde-me o que não existo
o ser comprometido com tão vão objeto
vida comprimida em operações ímpias
sede dissolvida em sal e pedra
tempo mastigando instantes amaros
infinito denunciado
como assassino eterno
o véu descorado do coração
arabescos de lábio partidos
gestos cegos, dias mórbidos
cosmovisões agonizando
como uma romã ulcerada.
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