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Dom, Jun

destaques
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A ascese é uma mulher.

fêmea insatisfeita. Sei-o

seios firmes, aptos, invencíveis, socráticos

(e piramidais como o sopro de Deus)

ascese me ama, o louco que sou, assim

louca que nunca irás a piras de êxtase

me levas, ascese indubitável.

 

E assim é o início do poema de todas as ruas

do mundo (que começa em Recife).

 

Ascese fez-me conhecer a vida nua

o encanto dos objetos depostos (e irredimíveis)

sobre cômodas frias e indiferentes

como uma rã na lua. Gozo inexorável

me espera (e não me desespera a vastidão).

Imagens cruas me assaltam quando só

estou com Ascese – e me avivam.

Como o poema é-o em si, contínuo

vago, portátil, petuoso, arábico.

 

Sei que a respiração da palavra é vital

para que o poema se egiptize e

totalize-se. Embora, os probos códigos

todos se degringolem, não desisto dessa

árdua carnificina simbólica... e sigo

sem aspas, reticências, vírgulas

sei que o silêncio insuportável e atento

dessas linhas enlouquecidas te insana

leitora de olhos analfabetos, leitor

de ovos incuráveis... ignaro traste

de orfeus de rima e apolos castrados.

Se o silêncio não tem país, a solidão

é um golfo surdo, ao abrigo de barulhos.

Com hímens imperecíveis sonho

a cada noite brasileira, ao lado

do cadáver de um verbo meu orgasmo.

De ti possuo o jogo contingente

a nudez estrepitosa.

Sabes que palavras apodrecem

verbos morrem (precisas inumá-los)

e a sintagmas nada melhor que o lixo

ao lodo da lareira pois fogo purifica (e polue).

E renascem do lápis dos poetas

inteiras, escanhoadas, prontas para a página.

E o corpo (verbal ou não, humano ou quase)

foi feito para arder de êxtase

fluir de espasmos e possessões

prenhe da respiração dos pássaros

ávido de voluptuosas aventuras.

 

Nunca esqueças tal. Se não, não serás.

À luz dos cavalos vás aos pés amados, ao galope dos olhos.

Vás à indecência viva, ao horto sem culpa.

Vás a fogueiras impávidas (corporais).

 

De trêmulos espelhos é feito o mundo

a vida, de apanágios escuros

o tempo, de sal e do líquor do trânsito orgânico

as flores, de vidros do céu.

Pela relva dos lábios amados círcules

entregue aos demônios do corpo

à extremadura dos desejos... no gozo

(líquido ou não) está a ressurreição da carne.

É unânime sentir o outro em si.

Morrer d’amores poliédricos e escassos.

Quando oro a uma racha num coito

percorro, percorro, percorro

toda a geografia do ventre, pois

sei que ao sul dele está meu porto.

A uma ilha de insolitude irei

me desmorrer quando a hora soar

como dum sino surdo arder o som ou a luz

gorar nos meus olhos onde boiam

verdes desejos. Ainda.

Murilo Gun

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