03
Dom, Ago

Poemas
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E se pesado poema leve quem o leia

ao abismo do sentido e o enleie

num labirinto de orvalho cego

e deforme sua visão de mundo

inundando-a de íntimos infernos velozes

procrastinando sua nudez na vida

conduzido a caminhos suicidas impetuosamente

a círculos onde se demorem hospícios

a ciosidades concebíveis e tédios insolentes?

 

A ópera do verbo destoa do instante

e desatina porque o tom se oculte

e a providencia deserta

e o instantâneo desata

porque o desdém toma a palavra.

E o avesso se renova.

Pois o fio do tempo é insolente e trêmulo

é tal qual caminho de navalha

lâmina inescapável e desencapada

que desliza ao desencampado sutil do ser

ao inevitável encontro de si com o outro

que não se soube quem seja.

O que queira dizer o poeta só importa a ele

não tem valor ou desvalor: é neutro

e remediável. O que que não quis dizer é o poema.

A explicação lógica do poema é fábula .

Ou fábrica de versos quando o poema

é inverso e adverbial ou estratosférico.

 

Poetas que rejeitem explicar ou dizer

bem  sabem da poesia o tormento

a verdade da inadequação do mundo a ele.

Poetas que se sujeitem a explicações

são como batatas batendo

uma contra outra no mesmo saco furado.

Signo é para seguir.

A rebelião da palavra cabe no poema.

O verso rebelde é incomum

e necessário.

Pois o poema erode o comum

e ofende à comunidade.

A lógica da poesia não é justa.

Entre o dito e o indizível há o poema.

Entre vidência e certeza não há diferença.

Poema, vá do insignificante banal

à plena transcendência plural.

Todo verso é único e é primo.

 

Daí, o evidente Rimbaud:

chegar ao poema é ser vidente

ir ao desconhecido através

da desordem de todos os sentidos. (Do poema).

 

Então, entre a metáfora e o delírio

não há escolha.

 

As coisas é o caos, e o mundo

é das coisas caóticas construído.

 

A batalha é desordenar a língua

e subverter a gramatica

retirar o hímen anacrônico da sintaxe.

 

Coisas bem comportadas e ordenadas

são domínio pleno da prosa.

A navalha do tempo é insensível

e seu fio cego como uma guerra.

 

Copos escuros sobre a mesa de um pub

em São Paulo me advertiram

e passei a temer a claridade.

Daí, passei a sentir todos

os poros do meu espírito.

E ouví-los emudecidos.

O cadeado do signo prende o significado.

Não há corpo que detenha a alma.

Do poeta ou carne que o supure.

Poetas vão além dos prazos

e limites do futuro, por definição

e natureza de sua arte milenar.

 

Ontem, eu fui... mas hoje sou.

Abro portas para o sal e o suor

para a dor e o pássaro

para alguém qualquer ou não.

Todo o urânio do céu é de Deus

e desde Deus sou poeta

minero o verbo com lavor

rebelde e iconoclasta.

Não é possível respirar

entre as palavras do poema.

Seria igual a trancafiar o sopro

do verbo e aprisionar o muro.

É tal o grito infernal

dos seres do primeiro círculo

de Dante preso na garganta

do silêncio culpado.

E Infausto o poema para sê-lo.

Só a voz dantesca atravessou

as dores do mundo e...

embora questionando os espíritos

estabeleceu a razão do poema e as lides da carne.

 

Poema é desatino insurreto

caminho da verdade da vida.

Nada do que seja literal é humano.

 

Nunca quem se arrogue

à suspeita virtude de dizer será poeta.

 

Linguagem arrogante – e lógica

que explica tudo racionalizando o mundo

é antipoética por excelência

é prosaica por natureza.

 

Então, para conviver com poema

aceite que o amor é um labirinto.

Habite esse labirinto, me leia. STOP

{jcomments on}

 

Murilo Gun

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