As bordas do precipício eram escuras
poucas vezes a beira era roxa. Um tanto afiadas ou mofas.
Mas discretas. Não porque abauladas
porém sinceras.
Os dentes silenciosos. (Investidos das fauces
como relâmpagos do céu de abril).
A noite urrava ao redor como coivara.
Resfolegava. A fumaça (orvalho lento
e dissoluto) noturna
na madrugada fria congelava.
Assim era minha alma.
Na manhã empedernida. Cicatrizada.
O sono procurava os ombros da tarde. Há
muito descambada para o peitoral noturno.
Invólucros de sonho dispersos no dia
colhia como cigarros apodrecidos
pelos dedos duros acostumados
à faina do alcatrão se dispersando
no ar e no pulmão
colhia como feijões desabrochando
do túnel da bage explodindo
como uma luz final esclerosada
verde por entre bainhas abertas
precipícios afiados, tenazes corroendo a beira
ou milhos enluarados e seu pendão noturno
atraiçoado mas tenaz ainda.
A lua olhava os quintais descurada
e desdourada. Com um torpor sem ventre.
Contemplava mourões e ervilhas acesas
a lua escura escancarada no terreiro.
Assinalava louças abandonadas no adro
onde pulverizava luz estraçalhada
pelas atentas navalhas da noite cerrando-se.
A rua madrugada parecia um títere
ou uma esmola e nela andrajos
naufragavam
porque os rasgos dos clarões
dos botões carmins e do linho devoluto
eram afogados pela cerração
dos olhos e da terra
no pátio da igreja morta
pulôveres e tafetás
amavam o frio irredento que reinava.
Borboletas se preparavam
para os deboxes do néctar
imitações de folhas vivas
planando entre as flores
conúbio com a liberdade
que as pétalas ofereciam.
Manteigas já sonhavam
com pães amanhecendo
do ventre dos fornos úteros
de fogo e farinha
fermentada se dilatando
como o bolo do sol.
Ameixas enchiam a boca da manhã
insufladas de fibras roxas
de salivas e aromas
jamais degradados
pelas legendas superadas
da madrugada da alma.
Quatro horas da manhã no Castelo.
Garanhuns, 20 de setembro de 2012
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