Poesia é a introdução da palavra na causa escuras
o objeto como meio do fim iniciado
do fim apenas começando o intervalo branco
coisas móveis, anos movediços, diapasão de sais
tangentes invioláveis, poliedros nus e afáveis
a luz do verbo tangendo a página círculos de partículas
sob ômega de ágata egípcia
porcelana de raiz grega e cor troiana
a tripla fuga do oboé de Bach
o mineral da manhã assolando o sal
e o som despeito pela fúria inocente
da madrugada nômade e intransponível
sob lua incógnita pousada
no espaço secreto da infinidade.
Surto de santa insônia intensifica a poesia
o olho ora pálpebras de joelho
ao santo crepúsculo que inspira a pena
é com fulcro nessa vigília lenta
que falso poeta se movimenta
alude a tamarindos, abole madrepérolas.
Esqueço o cansaço que é de cedilhas e aço
e recorro a espelhos mutilados além de aleluia
e ondas rigorosas e tardes furiosas
como a palavra imagem refletida no esmalte.
Segundo Lezama, Da Vinci dixit:
a pintura nasceu da necessidade primitiva
do homem recortar o contorno e o acaso
de sua sombra no muro.
Poema é tal qual vaivém de água da onda
da palavra indo e vindo sem sair do lugar
lavando sentidos para rejuvenescê-los.
Dê tom atonal certo à palavra invalida
que o poema torna-se poema só.
Poeta, guardador de rebanho de anjos e enjoos.
Como um cão é o verso, vazio e lição.
A boa lenha do pastor de almas pagas
logo queima e o fogo desaba sobre dádivas nuas.
Fogueira santa devora cinza de dízimo
às dúzias atirados ao fogo unigênito
à chama donzela, ao incêndio da cura.
Se a matéria verbal exposta
na orelha da página
se a palavra não assim nem assado
se nada se inefabiliza
não há poema.
Cínica fim do verbo.
E se tudo for inexorável
o que será do nada facultativo?
Inefabilize o verbo: poema.
Usufruir da desintegração
orgânica a ouvi ruídos
da dissolvência dos neurônios cansados
é real e pior que insolvências
ou estouros bancários
frase negociais dão lucro animal.
A desintegração de uma nação triste
como um senão, vírgula deslocada
ou cópula sem comunhão.
Não há mais povo, só corpos.
E senões sem fins. Confins
dos seres sociais trapaceados.
Amo ráfagas de alfenim e chusmas de canela
amo sobretudo. E talvez.
Ergo pirâmide de eco cada manhã
e sorvo o lento e alto orvalho da rosa
a mão em concha astuta, lábio
em êxtase primário, o êxtase da saliva.
Até que o rumor pereça
e o gesto se extinga do punho
não desperte a relva ou orvalho
não aturda o pássaro.
À sombra de cactos exaustos
esconda sua insânia
com vagar ou demora de taipa.
Vértebras de palavras
dão bons poemas dorsais.
Punce da matéria do verbo
cristalinos ecos poliedros de gritos
e rumores amarelados.
Bússolas e lebres de águas coligo.
Seus olhos morosos pareciam anjos.
Sedosos, talvez. Mas arquivos.
Losango usados por anjos barrocos
a catedral da tarde
ficaram enferrujados
mas sararam.
Círculos de linfa e veios
onde clorofila crepita
os envasados verdes
como circos de sangue
exorbitaram veias e incensos
exigiram supurações rígidas
em atenção ao progresso
dos sais minerais trancafiados
nas veias artérias surdas da usura.
Reflexos desolados restaram.
Hoje habito o fogo, voo de cinza
símbolo escuro, incêndio de fé.
Venho da sombra vulta de luz vazia.
A fatalidade de Eros não temo.
Desentranhado da essência
habituado ao vazio sem raiz.
Do espelho extraio máscara
o cansaço puniu o rosto
e a verdade sancionou o feito.
Nada funcionou com a precisão da morte.
elegante, maltrapilha, de súbito ou de migalhas
ela é soberana total irrecorrível frio
juíza sem tribunal de sentença fria.
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