Morte tropical é árida. Não sonora
a não ser que búzio ou crótalo a console.
Não brota do coração de cardos.
Emerge de conchas, coivaras, espelhos
vem das fontes noturnas do inóspito
galga penínsulas da alma, trapézios sutis
e os lumes do tempo atravessa
como louca iluminada lua rural
devassa através e martírios
de mirtos agudos coroada
de espinhos servis drapeada.
Veste cambraia de sombras
cai sobre rosto dos homens
como orvalho ou loucura.
Noite tropical é nua
cambriana, sedenta, indomada
dorme nas redes, assola alpendres
ri sem dentes, intumesce velórios.
Parceira do clima e do vômito
adepta da seca e do quântico.
Morte tropical é profunda atenta profeta
árido seu esgar ósseo
surdo seu chegar sem prumo
russo seu roçar múcio.
Intestina, dolorosa chega atrasada
convive com fumo do casebre (rumor de abelha)
é rural, urbana, surreal, não rima com horta
divide com aurora grossos lábios de claridade.
Tem omoplatas longos, clavículas amplas
morte tropical e resoluta
com câncer e capricórnio não discute política
recebe em sua pátria escura
comarca de Caronte retirantes e outroras
cidadãos cansados das iniqüidades
do já esperado, azeita
esmagadoras engrenagens
que trópicos transportam
em seus ombros atlas
cangas e cargas
mas com têmpera inteira
cerviz em riste.
A morte tropical é casta e constante.
VÍBORA AMADA
Tuas veias infinitas me demoram
olhos arvoram-se de estrelas esplêndidas
plêiades fundas
como noite do espírito.
Dias e noites enamorados
aortas das igrejas percorreram
assaltaram de luz vitrais góticos
em cópulas bem e mal homoamaram-se
cariátides de pedra logo supuraram.
Rosto de lágrima resplandece
entre prantos de treva
e aleluias áridas.
Ímpetos são-te os seios incrédulos
empinados pelo meu desejo esdrúxulo.
São-te olhos dois uivos verbais acesos
gritos da carne tão altos, castos
capitaneando deserto amor, ágape beduíno.
Ondulante látego meu falo de vidro e osso
de relva e lodo busca teu musgo.
Pranto de pedra verto por ti
invertido vértice de mim.
22.09.2007
NUM ÁTIMO DE SÍTIO ÁTOMO EXALA
Seu útil assassínio
círculo de elétrons
teia espalha
do infinito pêndulo
ir e vir de aranha
do seu balé redondo
sob lento ritmo dos élitros
vítimas apanha da rede de quelíceras
célica castanha
vórtice oxidando
na inocência da vida
sopro elétrico
emaranha da vertigem dos fios
de aço e seda mortal
arquitetura avessa
imã que do alforje alquimista escapou
caos arranjado com lassos
melífluos tijolos
de saliva sob
1. hábil batuta fractal.
Ajo qual se o como fosse tal
vida prélio desigual
e palavra que fugisse do poema fosse
encarcerada no plural.
Átono tônico
de um trago engulo
nuance
2. de um brilho estupro.
Do íntimo do átomo
impulso assírio, fugaz
sombra aramaica
fuzis armênios ou curdos
apontando ímpio amalgamar-se
com crases hebraicas
no átimo exato de uma explosão
3. de causas e rituais iníquos ou penais.
Do último cerco átomo
nêutrons e prótons vomitam
restos de cogumelos nipônicos
náuseas radiantes goianas
da bruta refeição haurido
4. num banquete de urânio.
Mandrágora maquia véu
veneno instila (sábio bote
emboscada símia, conspiração hínica)
no prepúcio do príncipe cor de nanquim
muito aquém do reinante fim
5. de infinita dinastia do sangue.
Do continente do instante
6. à náusea dos pátios uivantes distas íntimos átimo.
Da noite congelada brota
7. útero da alvorada.
8. Trânsito das cores pétreas opaco empalidece.
Debruçam-se cisnes
do inútil torso da acácia
9. para casca de uma noz.
São esculpidas garças
contra céus profundos
com pincéis abruptos
10. a tintas da Via-Láctea.
Dum átomo íntimo Demócrito busca
substância última do mundo.
Dum átimo de sítio átomo exala
sacrifício
11. átono e ínclito (como Heráclito).
À BOCETA DE PANDORA
Chave da morada de Pandora
que abra cão e carniça
que solte morte, gatilho e retorno terno
sob sete chaves de sigilo
sob sete selos de desespero guardar.
Idolatrar abutres, clave
e encargo do poeta bloquear
estradas vicinais do desejo
e esganar civetas
com precisão chinesa (ou pausas hípicas).
Só a agressão da palavra permite
aprofundar a vida
fundar a duração real
sem passagens ou fundos falsos
perceber ardis
ciladas encetar dúvidas
que parem a verdade glosar
idílios que convulsionem o corpo.
Fira o tecido da escuridão
com breu do verbo, ínsita
profundidade do profano tocar
como toque retal em prol da próstata.
Abrir veios da caminhada
até pródomos da eternidade
valados, rodeios, sede de rumos e périplos
oferecer aos pés
até que soe sociedade dos dígitos
até que se apaguem pegadas dos peregrinos.
Abrir invólucro, a semente púnica
e o lucro da rosa palavra gerar
levar o verbo à amplidão do ser
a sua responsabilidade originária
e não ser domado mas
verbo de barro nos domar
levá-lo à majestade do céu
aos palmos da terra
ao deleite rude do homem
ao sal dos salmos (de onde veio veio divo)
dele retirar íntima essência
com ele podar resíduos duradouros
e memórias do inconsciente paraíso.
Deixem esgotar-se células da canção
que leveza e doçura de Deus cessem
até que morte salvífica advenha.
Até que sobre o inóspito paire o árido
o dom hospitalar vingue, cure-se o tempo
triunfe o parco, o pênsil anule-se
e o hípico dispare nas planícies da alma
e o hínico torne-se canção do destino.
Peso branco do orvalho caia sobre rosto
sobre olhos das folhas
sobre temor de outubro
sobre aromas do outono
ilumine palavras por vir
alumie circo e solidão.
Entre céu e terra celebrar
contrato dos anjos com a palavra
a Rilke e Kafka oferecer modos verbais
entre a seiva e o chão
instalar a hóstia e o sal
entre o escuro e a chama
escolher nome (que não seja adão)
entre fogo e água preparar
a milenar imersão, gestar
a última comunhão (e o cristal do olhar ferir).
Sonhar com outonos e poentes
afundar-se no crepúsculo mais ágil
imerso nos cones do sono
raízes do céu expor à fratura da página.
DAS FIDELIDADES CANINA E FEMININA
(ou outra versão da morte de Argos)
Na soleira da porta umbral de seu mundo inumano
Argos aguarda, vê horas que passam e árduos anos se enfileirando
desanimoso, baldio, não tem obrigações ou indústrias
de (des)tecer desculpas noite e dia.
Penélope apenas não foi perfeita
porque não provou de todos os candidatos
antes da chegada impetuosa e antecipada
do imprevidente Ulisses.
Argos não tem por que repetir há milênios
que a poder de tapetes rechaçou pretendentes cadelas
(ao menos os mais inábeis na arte oculta de atender aos ditames
inconfessáveis de uma mulher
na hora esotérica da intimidade profunda).
Infeliz cão morreu de felicidade ao ver o patrão.
Penélope nem quanto, apenas disse:
por que demoraste tanto?
A que suplício (ou prazer) me condenaste
com teus périplos irresponsáveis
ò tão Astulo e desastrado Ulisses?
HÁ
há paz na corcova das dunas
ira no tímpano das tribunas
há luz na superfície da vodka
tréguas nos satélites em órbita
há fossas e essências nas sementes
rimas nas celas dos parênteses
há ébano nas portas dos tapumes
água nas dobras dos legumes
há gritos poloneses nos alpendres
e verdugos que os engendrem
fúrias nos touros rupestres
gozo nos olhos celestes
há felinos no sangue dos sábados
auge na argúcia dos monges
há tules espreitando último sopro
e anêmicos ciprestes aguardando morto
há rusgas nas súbitas alamedas
medo nas cismas da seda
há brilhos nas castas de uvas
sonos nos gumes da chuva
há febre no pâncreas de Drácula
rigor na pele da mácula
há jacintos nus nas gazelas
delitos escandindo favelas
há frêmitos moribundos nas lapelas
fontes de escárnio nas latrinas
há ímpeto de baunilha nas cornijas
fome no vazio das vasilhas
ARTISTIA RESISTA
Objeto de toda arte deter
perpetuar movimento (que é vida)
por meios artificiais fixá-lo
de modo que daí por diante
quem ler o escrito, a escrita do espírito
traço que a imaginação lampeje
aquilo se mova novamente
insuflado pelo espírito leitor
pois é vida em andamento escrito
balé contra morte na alma
que Sartre e Freud sabiam
escuta da escritura livre do cálculo
logo homem mortal fica imortal
assim que seu nome na página tombe.
POETA
Incuto ímpeto
(ou ímpeto incuto)
sou linguagem.
Epistemologo
verbo de barro
filosofo.
Detesto acentos.
Assentos sento às centenas.
Sou gente.
SÉRIE ANIMAL 3
(do bestiário vital)
O gato ou o verso
movem-se como animal universo
num círculo mecânico
num moinho unívoco
de leprosários azuis
e cânceres crescentes
como progresso
ou índices bursáteis
no sobe e desce suicida
do furor mobiliário.
É lento o silêncio
que deixa
gato na passagem
pela página.
DE PÁSSAROS E CÓPULAS
DE PÁSSAROS
Que uivo há de peregrinar
por esse ar desolado
que sulcos traçar
em seu grunido vital
que sinais de silêncio espalhar
pelos caminhos do grito?
Bátegas de pássaros
ferveram o espaço
entrecruzando-se
em aéreos coitos intrincados
a revelar os véus
alados das metáforas vivas
e gravuras oníricas traçar
nas grutas urbanas
das metrópoles
que moram em meu sangue.
CÂMBIO LOUCO
Duma cátedra azul prado
vi basílica de cinzas justas
envibrou-me o domingo
em que ela passou fagueira
pelos meus olhos espantados
do adro da igreja.
Devoto me emparedo
meus olhos te bolinaram
com tal ser passando ao futuro
longe de meus longos e ávidos braços.
Me deixo levar por tuas ancas macias
e renuncio ao céu
todo santo crédito
gastei numa partida
dobrada: eu e tu
comungando os corpos
hóstia do sêmen em teu rosto
boca, seios, calcanhares, ventre
e as almas condenadas
a fogueiras eternas.
Músicas azuis, borboletas de sílabas
flores de cinzas ecumênicas macias
rosas desatadas do paraíso
sempre nus salvaram a carne.
Toda a eternidade bendita
jogada num gozo passageiro
troquei por uma argamassa de gozo
dois ou três gemidos conjuntos
e doze beijos vivos da crua carne
do corpo, língua de víbora, huno senil.
Pelo engaste cravejado de veludo
azul dos olhos irrecusáveis
e ávida boca perdi a vida eterna
abdiquei do céu.
Toda vasta eternidade de Deus
por uma note de humano amor.
DOIS QUINTETOS
Círculos leves
de sombras amenas
e amaros silêncios vivos
escuta-se
do ventre acústico dos labirintos.
Salientes uivos
e silêncios estraçalhados
por dantescas panteras.
Saliências de silencioso cristal
restaram da página.
RIMBAUD (2)
Rimbaud em Áden
e os amigos do peito já gastos
Rimbaud afogado
entre ouro e bálsamo
copulando com uma marroquina
numa cama francesa
com lençóis de punhal
Rimbaud atravessado de veredas
o espírito rezando
por um copo de cicuta sócrates.
Rimbaud e a ruína das minúcias
enterrando fezes em covas de areia deserta
Rimbaud e os abutres do magreb
esvoaçando próximos a sua alma
Rimbaud e as garras das páginas
cravadas em seu coração ermo
Rimbaud e o eco do vento
bebendo sua sombra magra
Rimbaud e o silêncio
em forma de mandrágora.
PEGADA ANGÉLICA
Passam anjos operários de Deus na terra
carregando pesadas trombetas
nos ombros cheios de asas brancas
arquiângelo com adaga
caravana de trombetas desertas
abre labirinto de passos
angélicos na areia côncava
que vento espraia
mercadores de serpentes
da estirpe dos fornecedores do éden
passam deixando
pegadas de anjos falsos.
LIÇÃO DE TEMPO
O tempo moi horas
roi rostos
escava dores
operárias
na cútis irretocável
das madamas deixa
seu potente ácido
toxina geriatra
ácido da solidão
termina o trabalho.
Clepsidras retortas
o tempo ampulheta
traz sol e areia
para olhos enfastiados
da madama à espera
no salão do tédio (toucador pálido)
pelo cônjuge obeso e magnata
que atrasa.
DOLO E DÓLAR
Dólar é minha pátria
cresce do solo de meu bolso
por artes de mercâncias
e engodos.
Dólar é a mais velha de todas as moedas
(moenda de pobres pátrias)
mais antiga do que sestércios e dinares
libra de víbora estala de sua cara.
Foi por 30 dólares
que Judas vendeu Jesus
a turistas sádicos
de Jerusalém
donos de conglomerados
e figurinhas de seu Forbes
(vizinhos do Fort Knox).
De dólar é minha alma bursátil.
Dólar seja louvado
e meu espírito poeta enriquecido
por laudas de bênção e ágio
por páginas dolorosas endolaradas.
Triunfa o ferro
a ira, a fraude triunfa
a lira, o círio, a morte.
Aos frágeis, aos tristes
cálice de acônito é bastante.
O dado incrédulo
o dogma vermelho
e o horto sacrílego
clero de Epicuro
cínico comício de Sócrates
para catarse de efebos
de Atenas noturna.
Bando herético de ergástulos
fezes de herois consagrados
nos ímpios desperta
ciúmes eclesiásticos.
Do venal claustro laicos ecos
de animal orgasmo escapam
pelas fendas das ninfas freiras
filtravam-se por entre ângulos
do silêncio monacal
daquele orgiástico domingo
frades e freiras úmidas em himenal
Selvagens coitos
da salvífica carne
aos pés da cruz
na sacristia iníqua.
VIOLA GÓTICA
Seios triunfais versáteis
no lascivo mármore
da procelosa noite pregados
(por metades como o de Santa Ágata).
Nuvem atônita de amianto
dos pântanos
no bronze prostradas
vaginas usadas.
O ouro ata e desata
sangra e sagra.
No mármore errante histérico
torvelinho de lã confabula
com escarcéu de estrelas
no leito do firmamento.
Funeral lento de júbilos mortos.
Naves frigias frágeis
derramam luzes ungênitas
no último cais do mundo
desembarcam emolumentos e jogam
estampilhas a peixes lusos
capturadas nos seus porões ínvios.
Trêmulo fulgor de tumba intensa tomba
no leito rumoroso da condessa
que recolhe sêmen de condes escabrosos.
Temerosa sombra de pesar cai
sobre dinastia do lodo.
Suicídio de ídolo, disse o delegado
aos costumes místicos.
AO
Ao arado, às estrelas
aos cálidos portos, navios mortos
aos calados onde se afivelam fiéis
nas naves das basílicas vespertinas
às clausuras, aos octógonos da lua
ao celibato enlouquecido
à lascívia das freiras
à libido dos monges
à cúpula honesta das adegas heptagonais
às quilhas e aos poetas intestinos
das cidades desvairadas
às charruas, aos cometas
ao hipotálamo de Platão
(sem o qual memória de Sócrates era lixo)
aos ilustres vitrais, aos gumes das gemas
às hecatombes de prata
às gravuras do orgasmo
ao lado B.
DOIS POEMAS VESTAIS
Açodam-me
clamor tumular
e silêncio de sepulcro dos críticos
que prendem perigosamente
erudita respiração
para não dizerem: Ah, que poema vital!
Batalhas de amor
em campo de pluma
com espada de lírio.
TRÊS POEMAS DE MAIO/2011
É preciso libertarmo-nos de nós mesmos
do cárcere que somos
das masmorras do espírito
da alma que se sepulta
sob escombro do corpo,
o erode, avassala.
Ao ciclo das corrupções e gerações
sucedem gêneses e revoluções.
Ultrapassa poesia invisível
poema aparente.