03
Dom, Ago

Poemas
Typography
  • Smaller Small Medium Big Bigger
  • Default Helvetica Segoe Georgia Times

Morte tropical é árida. Não sonora

a não ser que búzio ou crótalo a console.

Não brota do coração de cardos.

Emerge de conchas, coivaras, espelhos

vem das fontes noturnas do inóspito

galga penínsulas da alma, trapézios sutis

e os lumes do tempo atravessa

 

 

como louca iluminada lua rural

devassa através e martírios

de mirtos agudos coroada

de espinhos servis drapeada.

Veste cambraia de sombras

cai sobre rosto dos homens

como orvalho ou loucura.

 

Noite tropical é nua

cambriana, sedenta, indomada

dorme nas redes, assola alpendres

ri sem dentes, intumesce velórios.

Parceira do clima e do vômito

adepta da seca e do quântico.

Morte tropical é profunda atenta profeta

árido seu esgar ósseo

surdo seu chegar sem prumo

russo seu roçar múcio.

Intestina, dolorosa chega atrasada

convive com fumo do casebre (rumor de abelha)

é rural, urbana, surreal, não rima com horta

divide com aurora grossos lábios de claridade.

 

Tem omoplatas longos, clavículas amplas

morte tropical e resoluta

com câncer e capricórnio não discute política

recebe em sua pátria escura

comarca de Caronte retirantes e outroras

cidadãos cansados das iniqüidades

do já esperado, azeita

esmagadoras engrenagens

que trópicos transportam

em seus ombros atlas

cangas e cargas

mas com têmpera inteira

cerviz em riste.

A morte tropical é casta e constante.

 

VÍBORA AMADA

Tuas veias infinitas me demoram

olhos arvoram-se de estrelas esplêndidas

plêiades fundas

como noite do espírito.

 

Dias e noites enamorados

aortas das igrejas percorreram

assaltaram de luz vitrais góticos

em cópulas bem e mal homoamaram-se

cariátides de pedra logo supuraram.

 

Rosto de lágrima resplandece

entre prantos de treva

e aleluias áridas.

 

Ímpetos são-te os seios incrédulos

empinados pelo meu desejo esdrúxulo.

 

São-te olhos dois uivos verbais acesos

gritos da carne tão altos, castos

capitaneando deserto amor, ágape beduíno.

 

Ondulante látego meu falo de vidro e osso

de relva e lodo busca teu musgo.

 

Pranto de pedra verto por ti

invertido vértice de mim.

 

 

22.09.2007

 

NUM ÁTIMO DE SÍTIO ÁTOMO EXALA

Seu útil assassínio

círculo de elétrons

teia espalha

do infinito pêndulo

ir e vir de aranha

do seu balé redondo

sob lento ritmo dos élitros

vítimas apanha da rede de quelíceras

célica castanha

vórtice oxidando

na inocência da vida

sopro elétrico

emaranha da vertigem dos fios

de aço e seda mortal

 

arquitetura avessa

imã que do alforje alquimista escapou

caos arranjado com lassos

melífluos tijolos

de saliva sob

1.      hábil batuta  fractal.

 

Ajo qual se o como fosse tal

vida prélio desigual

e palavra que fugisse do poema fosse

encarcerada no plural.

 

Átono tônico

de um trago engulo

nuance

2.      de um brilho estupro.

 

Do íntimo do átomo

impulso assírio, fugaz

sombra aramaica

fuzis armênios ou curdos

apontando ímpio amalgamar-se

com crases hebraicas

no átimo exato de uma explosão

3.      de causas e rituais iníquos ou penais.

 

Do último cerco átomo

nêutrons e prótons vomitam

restos de cogumelos nipônicos

náuseas radiantes goianas

da bruta refeição haurido

4.      num banquete de urânio.

 

Mandrágora maquia véu

veneno instila (sábio bote

emboscada símia, conspiração hínica)

no prepúcio do príncipe cor de nanquim

muito aquém do reinante fim

5.      de infinita dinastia do sangue.

 

Do continente do instante

6.      à náusea dos pátios uivantes distas íntimos átimo.

 

 

Da noite congelada brota

7.      útero da alvorada.

 

8.      Trânsito das cores pétreas opaco empalidece.

 

Debruçam-se cisnes

do inútil torso da acácia

9.      para casca de uma noz.

 

São esculpidas garças

contra céus profundos

com pincéis abruptos

10.    a tintas da Via-Láctea.

 

Dum  átomo íntimo Demócrito busca

substância última do mundo.

 

Dum átimo de sítio átomo exala

sacrifício

11.    átono e ínclito (como Heráclito).

 

 

À BOCETA DE PANDORA

Chave da morada de Pandora

que abra cão e carniça

que solte morte, gatilho e retorno terno

sob sete chaves de sigilo

sob sete selos de desespero guardar.

 

Idolatrar abutres, clave

e encargo do poeta bloquear

estradas vicinais do desejo

e esganar civetas

com precisão chinesa (ou pausas hípicas).

 

Só a agressão da palavra permite

aprofundar a vida

fundar a duração real

sem passagens ou fundos falsos

 

 

 

perceber ardis

ciladas encetar dúvidas

que parem a verdade glosar

idílios que convulsionem o corpo.

 

Fira o tecido da escuridão

com breu do verbo, ínsita

profundidade do profano tocar

como toque retal em prol da próstata.

 

Abrir veios da caminhada

até pródomos da eternidade

valados, rodeios, sede de rumos e périplos

oferecer aos pés

até que soe sociedade dos dígitos

até que se apaguem pegadas dos peregrinos.

 

 

Abrir invólucro, a semente púnica

e o lucro da rosa palavra gerar

levar o verbo à amplidão do ser

a sua responsabilidade originária

e não ser domado mas

verbo de barro nos domar

levá-lo à majestade do céu

aos palmos da terra

ao deleite rude do homem

ao sal dos salmos (de onde veio veio divo)

dele retirar íntima essência

com ele podar resíduos duradouros

e memórias do inconsciente paraíso.

 

Deixem esgotar-se células da canção

que leveza e doçura de Deus cessem

até que morte salvífica advenha.

 

Até que sobre o inóspito paire o árido

o dom hospitalar vingue, cure-se o tempo

triunfe o parco, o pênsil anule-se

e o hípico dispare nas planícies da alma

e o hínico torne-se canção do destino.

 

Peso branco do orvalho caia sobre rosto

sobre olhos das folhas

sobre temor de outubro

sobre aromas do outono

ilumine palavras por vir

alumie circo e solidão.

 

Entre céu e terra celebrar

contrato dos anjos com a palavra

a Rilke e Kafka oferecer modos verbais

entre a seiva e o chão

instalar a hóstia e o sal

entre o escuro e a chama

escolher nome (que não seja adão)

entre fogo e água preparar

a milenar imersão, gestar

a última comunhão (e o cristal do olhar ferir).

Sonhar com outonos e poentes

afundar-se no crepúsculo mais ágil

imerso nos cones do sono

raízes do céu expor à fratura da página.

 

 

DAS FIDELIDADES CANINA E FEMININA

(ou outra versão da morte de Argos)

Na soleira da porta umbral de seu mundo inumano

Argos aguarda, vê horas que passam e árduos anos se enfileirando

desanimoso, baldio, não tem obrigações ou indústrias

de (des)tecer desculpas noite e dia.

Penélope apenas não foi perfeita

porque não provou de todos os candidatos

antes da chegada impetuosa e antecipada

do imprevidente Ulisses.

Argos não tem por que repetir há milênios

que a poder de tapetes rechaçou pretendentes cadelas

(ao menos os mais inábeis na arte oculta de atender aos ditames

inconfessáveis de uma mulher

na hora esotérica da intimidade profunda).

Infeliz cão morreu de felicidade ao ver o patrão.

Penélope nem quanto, apenas disse:

por que demoraste tanto?

A que suplício (ou prazer) me condenaste

com teus périplos irresponsáveis

ò tão Astulo e desastrado Ulisses?

há paz na corcova das dunas

ira no tímpano das tribunas

 

há luz na superfície da vodka

tréguas nos satélites em órbita

 

há fossas e essências nas sementes

rimas nas celas dos parênteses

 

há ébano nas portas dos tapumes

água nas dobras dos legumes

 

há gritos poloneses nos alpendres

e verdugos que os engendrem

 

fúrias nos touros rupestres

gozo nos olhos celestes

 

há felinos no sangue dos sábados

auge na argúcia dos monges

 

há tules espreitando último sopro

e anêmicos ciprestes aguardando morto

 

há rusgas nas súbitas alamedas

medo nas cismas da seda

 

há brilhos nas castas de uvas

sonos nos gumes da chuva

 

há febre no pâncreas de Drácula

rigor na pele da mácula

 

há jacintos nus nas gazelas

delitos escandindo favelas

 

há frêmitos moribundos nas lapelas

fontes de escárnio nas latrinas

 

há ímpeto de baunilha nas cornijas

fome no vazio das vasilhas

 

ARTISTIA RESISTA

Objeto de toda arte deter

perpetuar movimento (que é vida)

por meios artificiais fixá-lo

de modo que daí por diante

quem ler o escrito, a escrita do espírito

traço que a imaginação lampeje

aquilo se mova novamente

insuflado pelo espírito leitor

pois é vida em andamento escrito

balé contra morte na alma

que Sartre e Freud sabiam

escuta da escritura livre do cálculo

logo homem mortal fica imortal

assim que seu nome na página tombe.

 

POETA

Incuto ímpeto

(ou ímpeto incuto)

sou linguagem.

 

Epistemologo

verbo de barro

 

filosofo.

Detesto acentos.

Assentos sento às centenas.

Sou gente.

 

SÉRIE ANIMAL   3

(do bestiário vital)

O gato ou o verso

movem-se como animal universo

 

num círculo mecânico

num moinho unívoco

 

de leprosários azuis

e cânceres crescentes

 

como progresso

ou índices bursáteis

 

no sobe e desce suicida

do  furor mobiliário.

 

É lento o silêncio

que deixa

 

gato na passagem

pela página.

 

 

DE PÁSSAROS E CÓPULAS

DE PÁSSAROS

Que uivo há de peregrinar

por esse ar desolado

 

que sulcos traçar

em seu grunido vital

 

que sinais de silêncio espalhar

pelos caminhos do grito?

 

Bátegas de pássaros

ferveram o espaço

 

entrecruzando-se

em aéreos coitos intrincados

 

a revelar os véus

alados das metáforas vivas

 

e gravuras oníricas traçar

nas grutas urbanas

 

das metrópoles

que moram em meu sangue.

 

CÂMBIO LOUCO

Duma cátedra azul prado

vi basílica de cinzas justas

 

envibrou-me o domingo

em que ela passou fagueira

 

pelos meus olhos espantados

do adro da igreja.

 

Devoto me emparedo

meus olhos te bolinaram

 

com tal ser passando ao futuro

longe de meus longos e ávidos braços.

 

Me deixo levar por tuas ancas macias

e renuncio ao céu

 

todo santo crédito

gastei numa partida

 

 

dobrada: eu e tu

comungando os corpos

 

hóstia do sêmen em teu rosto

boca, seios, calcanhares, ventre

 

e as almas condenadas

a fogueiras eternas.

 

Músicas azuis, borboletas de sílabas

flores de cinzas ecumênicas macias

 

rosas desatadas do paraíso

sempre nus salvaram a carne.

 

Toda a eternidade bendita

jogada num gozo passageiro

 

troquei por uma argamassa de gozo

dois ou três gemidos conjuntos

 

 

e doze beijos vivos da crua carne

do corpo, língua de víbora, huno senil.

 

Pelo engaste cravejado de veludo

azul dos olhos irrecusáveis

 

e ávida boca perdi a vida eterna

abdiquei do céu.

 

Toda vasta eternidade de Deus

por uma note de humano amor.

 

DOIS QUINTETOS

Círculos leves

de sombras amenas

e amaros silêncios vivos

escuta-se

do ventre acústico dos labirintos.

 

Salientes uivos

e silêncios estraçalhados

por dantescas panteras.

Saliências de silencioso cristal

restaram da página.

 

 

RIMBAUD (2)

 

Rimbaud em Áden

e os amigos do peito já gastos

Rimbaud afogado

entre ouro e bálsamo

copulando com uma marroquina

numa cama francesa

com lençóis de punhal

Rimbaud atravessado de veredas

o espírito rezando

por um copo de cicuta sócrates.

 

Rimbaud e a ruína das minúcias

enterrando fezes em covas de areia deserta

Rimbaud e os abutres do magreb

esvoaçando próximos a sua alma

Rimbaud e as garras das páginas

cravadas em seu coração ermo

Rimbaud e o eco do vento

bebendo sua sombra magra

Rimbaud e o silêncio

em forma de mandrágora.

 

PEGADA ANGÉLICA

Passam anjos operários de Deus na terra

carregando pesadas trombetas

nos ombros cheios de asas brancas

arquiângelo com adaga

caravana de trombetas desertas

abre labirinto de passos

angélicos na areia côncava

que vento espraia

mercadores de serpentes

da estirpe dos fornecedores do éden

passam deixando

pegadas de anjos falsos.

 

LIÇÃO DE TEMPO

O tempo moi horas

roi rostos

escava dores

operárias

na cútis irretocável

das madamas deixa

seu potente ácido

toxina geriatra

ácido da solidão

termina o trabalho.

 

Clepsidras retortas

o tempo ampulheta

traz sol e areia

para olhos enfastiados

da madama à espera

no salão do tédio (toucador pálido)

pelo cônjuge obeso e magnata

que atrasa.

 

DOLO E DÓLAR

Dólar é minha pátria

cresce do solo de meu bolso

por artes de mercâncias

e engodos.

 

Dólar é a mais velha de todas as moedas

(moenda de pobres pátrias)

mais antiga do que sestércios e dinares

libra de víbora estala de sua cara.

 

Foi por 30 dólares

que Judas vendeu Jesus

a turistas sádicos

de Jerusalém

donos de conglomerados

e figurinhas de seu Forbes

(vizinhos do Fort Knox).

 

De dólar é minha alma bursátil.

 

Dólar seja louvado

e meu espírito poeta enriquecido

por laudas de bênção e ágio

por páginas dolorosas endolaradas.

 

 

 

Triunfa o ferro

a ira, a fraude triunfa

a lira, o círio, a morte.

 

Aos frágeis, aos tristes

cálice de acônito é bastante.

 

O dado incrédulo

o dogma vermelho

e o horto sacrílego

clero de Epicuro

cínico comício de Sócrates

para catarse de efebos

de Atenas noturna.

 

Bando herético de ergástulos

fezes de herois consagrados

nos ímpios desperta

ciúmes eclesiásticos.

 

 

Do venal claustro laicos ecos

de animal orgasmo escapam

pelas fendas das ninfas freiras

filtravam-se por entre ângulos

do silêncio monacal

daquele orgiástico domingo

frades e freiras úmidas em himenal

 

Selvagens coitos

da salvífica carne

aos pés da cruz

na sacristia iníqua.

 

VIOLA GÓTICA

Seios triunfais versáteis

no lascivo mármore

da procelosa noite pregados

(por metades como o de Santa Ágata).

 

Nuvem atônita de amianto

dos pântanos

no bronze prostradas

vaginas usadas.

 

O ouro ata e desata

sangra e sagra.

 

No mármore errante histérico

torvelinho de lã confabula

com escarcéu de estrelas

no leito do firmamento.

 

Funeral lento de júbilos mortos.

 

Naves frigias frágeis

derramam luzes ungênitas

no último cais do mundo

desembarcam emolumentos e jogam

estampilhas a peixes lusos

capturadas nos seus porões ínvios.

 

Trêmulo fulgor de tumba intensa tomba

no leito rumoroso da condessa

que recolhe sêmen de condes escabrosos.

 

Temerosa sombra de pesar cai

sobre dinastia do lodo.

 

Suicídio de ídolo, disse o delegado

aos costumes místicos.

 

AO

 

Ao arado, às estrelas

aos cálidos portos, navios mortos

aos calados onde se afivelam fiéis

nas naves das basílicas vespertinas

às clausuras, aos octógonos da lua

ao celibato enlouquecido

à lascívia das freiras

à libido dos monges

à cúpula honesta das adegas heptagonais

às quilhas e aos poetas intestinos

das cidades desvairadas

às charruas, aos cometas

ao hipotálamo de Platão

(sem o qual memória de Sócrates era lixo)

aos ilustres vitrais, aos gumes das gemas

às hecatombes de prata

às gravuras do orgasmo

ao lado B.

 

DOIS POEMAS VESTAIS

Açodam-me

clamor tumular

e silêncio de sepulcro dos críticos

que prendem perigosamente

erudita respiração

para não dizerem: Ah, que poema vital!

 

Batalhas de amor

em campo de pluma

com espada de lírio.

 

TRÊS POEMAS DE MAIO/2011

 

 

É preciso libertarmo-nos de nós mesmos

do cárcere que somos

das masmorras do espírito

da alma que se sepulta

sob escombro do corpo,

o erode, avassala.

 

Ao ciclo das corrupções e gerações

sucedem gêneses e revoluções.

 

Ultrapassa poesia invisível

poema aparente.

Murilo Gun

Inscreva-se através do nosso serviço de assinatura de e-mail gratuito para receber notificações quando novas informações estiverem disponíveis.
Advertisement

REVISTAS E JORNAIS