03
Dom, Ago

Poemas
Typography
  • Smaller Small Medium Big Bigger
  • Default Helvetica Segoe Georgia Times

(à moda de Anacreonte)

“vinho da palavra, metáfora

sua embriagues, poesia!

Aos vinhos, esta ode-quase-ditirambo,

e à memória das noites brancas

dos anjos roses, dos evoés desvarios

e da unção de nossos lábios

pela dádiva do vinho, esse bem do espírito,

metafísica líquida, odre de alegria

para a alma, tua e minha!

 

 

 

Nem hecatombes despertam

Os deuses cúbicos de sua bêbada meditação

No altar das tinas, na igreja longa das adegas.

 

EXPLICAÇÃO AO CAPITOSO LEITOR

CONCEITO

O poema tem a forma de ode-sinfonia quase-ditirambo ao vinho, esse liquido sonâmbulo, báquico, crucial e súbito, que tintos deuses derramaram dos febris tonéis agrários às sequiosas bocas dos homens para gáudio das gargantas e triunfo dos sentidos.

PADRÃO

O modelo é a ode sinfônica, poema musical, do gênero descritivo, sem forma definida – strictu sensu – adaptado, portanto, à escrita, entremeando estrofes, coros recitativos, com vezos oratórios e surtos de cantata lírica, permeando ânimos retóricos a cenas de sonho concupiscente, à Dionísos.

TEMÁTICA

O tema é o amor ao vinho e a seus prazeres túmidos, o fruir voluptuoso e dionisíaco desse grego líquido e sagrado, através da sóbria, pura, delirante palavra poética, a única capaz de expressá-lo virtualmente, em toda sua nuance, intensidade e pureza.

MODO

E o modo do canto é o gracioso e etéreo, como rama de  tenro pássaro ou rima úmida, que atice as benesses da uva até a volúpia da infinita leitora.

FIM

A finalidade do poema é ouvir-se vozes de vinho, ébrias sílabas, vocábulos undívagos, tintos bemóis, consoantes líquidas, sumos fônicos e puros.

CANTO DEDICATORIAL

 

i

Geometria líquida, monge infinitesimal                                                          ao vinho

do silencio alimento, hóstia floral

rubro artífice de auroragerado

e da âmbar penumbra convulso amante

nascido do sono da terra

passageiro do fruto

do cálice, lume peregrino

do tempo, alma e utensílio

do ventre cântaro habitante ubíquo

prêmio do odre, do lagar amo

egresso de verdes labirintos e de ardis perdidos

do âmago servo longíquo, da tânica têmpera  devoto

dos pés ulisses e de macias peripécias emerso

para outras odisséias rurais, épicas bucólicas

e novos homeros crateras

erguerem ao límpido futuro.

ii

Ao vinho, oração líquida capturada                                                                   rededicanto

no profundo coração da uva

sumo que lateja, seiva vital

que na paz da tina amadura

espírito unívoco, essência cívica

ávida mônada que das pipas súplices

às gargantas escapa do longo mundo.

iii

 

cântaro do espírito                                                                           ao divo cálice de vinho

ânfora e grito, lume infinito.

 

iiii

 

tintos habitantes do céu dos tonéis                                                       aos deuses báquicos

iiiii

 

A essa forma de prece e alvorada                                                                ao brinde vinho

a este continente de sede e sono

o mais puro brinde sorvo

ergo o trago mais profundo.

 

A esta lágrima de cristal e garça

a esta cave em que o vinho golfa

a esta gota aberta em copa

oferto à tua boca minha taça.

iiiiii

que formas dá aos barris.                                                                                         à aduela

 

iiiiiii

 

que uvas transporta ao lagar sagrado.                                                                       à dorna

Perguntas pelo Vinho

 

És da inquieta estirpe do cristal?

Descendes de que safira nua?

Fugas árduas encantam-te

a fragrante cor musical?

 

Quem te doma o puma do aroma?

Tigres do relâmpago acalmas

e lentas seivas tocaias

de estrelas estraçalhando taças?

 

Cálices e almas lampeja

quem os avaros jades recolhe?

Quem de joelhos põe diademas

os sonâmbulos fluxos desata?

 

Se inóspitos rubis escapam

do reflexo genial da garrafa

quem os acolhe com mãos de ônix

e com tiaras atravessa praças?

 

Sangue da Verdadeira Vinha

 

Vésper de nácar: vinho

urdume de deuses, lince

no silêncio da tina cúmplice.

 

Vórtices de cor: vinho

amálgama púber, jaguar

na adega do breve rumor.

 

Videntes seivas: vinho

líquido que dança e atiça

cálices do lábio ulisse.

 

Gritos de vides: vinho

meigas sendas de Baco

dorso de sáfaro presságio.

 

Da Verdadeira Vinha, pão.

Da geométrica eucaristia âncora.

Da alma salvação.

 

Vinhos do Brasil para o mundo todo

 

De geometrias e auroras

e iluminados domingos

enfileirados de flores

de sábados antigos, de férrea casta

do golpe de pássaros

e graves canções de perfumes

da respiração das abelhas

e cúmplices floresceres

sois frutos, agrestes e tão puros

Vinhos do Brasil para o mundo.

 

 

Na adega o agudo                                                                                  ávida boda púrpura

eco de tina anuncia

nascer vinho rubro despertar

e púrpuro ofertar-se

a árduas e nuas taças.

 

Na adega o firme adelgaçar da cor                                                   benta cópula alquímica

a adenda do tempo ao mosto fremente, o lento

e viril alento do álcool vir

beirar o sopro o agrícola espírito

e a forma apurar-se do aroma

anunciando aos céus o Vinho Brasileiro

fruto da cópula do silêncio, do coito esplêndido

da sertaneja uva com úmidas bênçãos franciscanas

hábito que se faz ubérrimo e sólido vinho em verdade.

 

 

 

O vinho da tâmara chama-se lagmy     a Gide

e foi uma taça de lagmy que um pastor cabila

a Gide ofereceu nos belos jardins de Uardi.

 

Gide bebeu todo o ávido vinho da tâmara

e viu gerar-se vasto oásis em sua íris

da pupila viu brotar tempo intimo

desertos dessedentaram-se em sua boca rubra

apascentou-se a tarde em sua mão de lua.

 

Entre flores afegãs e pedras beduínas Gide navegou

no dorso dos camelos da utopia

nas águas fundas da fantasia

nas ásperas naves do seu sonho árabe.

 

Gide embriagou-se longamente

com o vinho capturado

do coração das tâmaras profundas.

 

 

vinhos do Brasil

A duração da fragrância, intensa      (ramalhetes de aromas)

duradouras e profundas as vitórias dos aromas

triunfais incensam os sentidos

e celebram efusão de espíritos.

 

Aromas doces como sons de flautas

verdes como campinas largas

rubros como relâmpagos

ágeis como cavalos

mas leves e supremos como pele de criança

ou os primeiros raios do sol de dezembro.

 

Do silêncio te alimentas        vinho, veio do silêncio e uva

te nutre grito de vides nuas         tinto alimento do espírito

amaduras em sossegados barris

longe do tempo partido dos homens

das agruras do lodo, dos dolos etílicos

perto de macias auroras e trêmulos idílios.

 

Artífices do êxtase supremo       à rija forja tinta

cubas de báquico fermento

horas maduras, sonhos, épuras

à tua nudez acrescentaram

aromas tenros, límpidos rubor, sabores

de pólens sutis e rútilos inebriares

súbitos como calmas madrugadas.

Inflamam-se utensílios, e primícias        roda vinha

se apossam dos incêndios como auroras

noite ébria e caudalosa dilacerando.

 

Botijas são códigos súbitos, ubertosos vasos                                                   âmago vinho

ânforas puras, crateras primas

sumos amantes, continentes úmidos

encantadas caves, urnas liquidas, cofres etéreos

do âmago guardiões avaros.

 

 

Longo monge: vinho                                                        “No sono da parreira sonha a uva

da cela da pipa recluso no sumo sono                                e no sumo da uva vive o vinho”

cave onde medita e amadura

contemplando madrugadas mornas

e cúmplices essências descobrindo

no minucioso silêncio das dornas.

 

 

Ungida Sêmele pelo divo sêmen, fruto dionísio, vinho.                                mito nectarino

 

Néctar que urdem os alegres, precisos pés de Ulisses                                      néctar mítico

néctar que o ciclope liba em haustos longos, sinceros

néctar em que o grave grego trama seu astuto destino.

 

No palco da taça líquido invento de Baco baila                                  veio e cena do vinho

dança licor supremo de divo néctar vindo

da cor da aurora macio como amanhecer.

 

No estojo do cálice ébrios rubis cintilam

navegam em nau de lenta opala aquáticas pérolas

minucioso topázio anunciando volúpias.

 

Líquidos cristais revelam cerne de antigas vertigens

estirpes áticas e puras

e a força geométrica do aroma.

Murilo Gun

Inscreva-se através do nosso serviço de assinatura de e-mail gratuito para receber notificações quando novas informações estiverem disponíveis.
Advertisement

REVISTAS E JORNAIS