A essa forma de prece e alvorada
a esse continente de sede e sonho
o mais puro brinde ergo
brando o trago mais profundo.
A essa lágrima de cristal e garça
a essa cave em que o vinho golfa
a essa gota aberta em copa
oferto a tua boca minha taça.
DIVO VINO
Aos deuses tintos
habitantes dos céus dos tonéis.
Nem hecatombes despertam
esses deuses cúbicos
de sua bêbada meditação
no altar das tinas
da longa igreja das adegas.
DOIS POEMAS VINHOS
O vinho da palavra chama-se metáfora
Sua embriaguês poesia.
Das navegações nos lagares
memórias de âmbares rios guardas
e a paciente fragrância
do cerne de acanto e nascente.
VINHO
Vinho é um monge
na cela da pipa recluso
cave onde medita e amadura
contemplando madrugadas mornas
cúmplices essências descobrindo
no minucioso silêncio das dornas.
VELHO E BOM VINHO GIDE
O vinho da tâmara chama-se lagmy
e foi uma taça de lagmy que um pastor cabida
a Gide ofereceu nos belos jardins de Uardi.
Gide bebeu todo o sôfrego vinho
e viu gerar-se vasto oásis em sua íris
da pupila viu brotar o tempo íntimo
o deserto dessedentou-se em sua boca rubra
a tarde apascentou-se em sua mão de lua.
Entre flores afegãs e pedras beduínas
Gide navegou
no dorso dos camelos da utopia
nas águas fundas da fantasia
nas ásperas naves
do seu sonho árabe.
Gide embriagou-se longamente
com o vinho capturado
no coração das tâmaras profundas.
Orvalho cálices invade
com gotas de grito redondo
o peso do silêncio estraçalha
taças azuis e copos de cobalto
pólens úmidos esmaga
rudes estames crava
na cruz da pétala
(néctar moribundo prega
No peito da abelha operária).
O usado hímen da rosa
logo se acrisola.
O buquê acrílico
torna-se lua ilhada
do quinteto palavra.
AO PESO DO CÁLICE
À escura morada, ímpia casa, lar extremo
dos pobres pecadores não entram
preces para os desesperados
nem escapam do subterrâneo refúgio
as súplicas de suas vítimas
e ainda que plutão ouvisse
o acaso dos rogos atravessados
ou o pranto arremessado do peito
do âmbito do Lete suspenso
no oco desse rio esquecido e asqueroso parado
suas surdas ribeiras beberiam os apelos
e lágrimas cairiam nas bacias do vão esquecimento.
PIEDADE INÚTIL
Céu aquoso o exército
do acaso cria
com o estanho da tarde
preso à geografia.
A gramática do poente deixou
rastro noturno na veia nascente
ou na voz que o sol levanta
com afasia.
Plástica da violência
corda na garganta
eis o dilema.
ESTAÇÃO TERMINAL
Árido vão do espírito
gota de sangue em visceral
cela de ávido cristal
lágrima em decúbito oftálmico
sal lunar do sertão astral
(de cacto em cacto deambula
em busca do Beugma onda lonjura).
O vão da vida é árido
ou o árido da vida é vão?
Adivinhe, proba leitora!
MULTIPLA ESCOLHA?
Silêncio corta a espessura do uivo
de aço, carne, dilúvio.
O dia vendeu o grito
da multidão ilusa, deserta, áspero
(da branca praça exilada).
Sem mácula a tarde foi-se.
Ser elenco da noite. E cúpula
(O afiado gume segou a safra
da voz, estilhaçou a muralha do silêncio).
CORTANTE SILÊNCIO