a Edgard, à tarde, a ébrios
Ébrios amam bares, neles
sede imortal derramam
sob atônita emanação
de hinos atonais
ao grito dos hidratos
de carbono e etanois
Lançam hurras ao espírito
do álcool em trânsito por nossas veias
eco embriaga-se do reflexo da taça
delírio treme em cada gole extático.
Bares ébrios amados
Casulos da alma encantam
Aviltada a cada trago
a cada brinde endiabrada.
POEMA OFERTADO AO SACRIFÍCIO DA PENA
Para novilhos ofertados à sintaxe de ouro
para os que vendem templos, comerciam trâmites
ritos, calendários, dogmas, preces leiloam
ao ar livre de seus fervores
trinta colchões de sestércios contemplam
em meio a chusmas de ágios originais
e altos enjoos de juros verdadeiros
debêntures da crença assacadas da alma
fertilizada de náuseas monetárias
aos que movem dízimos
contabilizam pecados
anátemas podres atiram contra a verdade
aos que oferecem indulgêcias baratas
à venda nas feiras do íntimo
para os que escandem litígios
e especulam com bens do espírito
para os que calculam sílabas
falanges de versos descendem dos dedos
magnificam rimas, poetas cômodos.
INVECTIVO
Sobra invectiva, injúria sobra
restam áridas perorações
impropérios restam
sobrevivem anátemas
ferrinas admoestações sobrevivem
cataratas de insultos rastejam
diatribes se propagam como diabetes
acumulam-se dínamos de duradoura ira
catracas de prédicas acumulam-se
rios de lascívia jorram (fluem como bússolas)
montanhas de ratos erguem-se
fluem calúnias brancas
deletérias infâmias correm
como cânceres de desonras.
TEMPLO DE NAPALM
Vendedores do templo
que Jesus os despeje.
Dos portais estuprados
minam comércios profanos, ímpios
leilões hasta pública assaltam
acorrentam altares a elos de usuras velozes
com algemas bursáteis sacro enjaulam.
Orgias prosperem, farras
multipliquem-se tais pães etílicos
doutrinas se enruguem de opróbrio cremadas
princípios pereçam
tudo o que seja má ao homem morra.
Expulsos do tempo mendigam
horas, debêntures anacrônicas emite o espírito.
DÚVIDA E MEDO SÃO IRMÃOS
SIAMESES DA MENTIRA INFIEL
Búzios etruscos, basiliscos de trigo
fuzis hebraicos encontram postigos.
Do ancoradoiro seio
do púbis ou na vertigem.
Do canil de teu coração duro
expulsa morte, coleira, esterco.
Bens dos que em Marot moram
faz tremer
porque dúvida e medo são irmãos
siameses da mentira
porque incerteza e temor
domiciliam-se em teu espírito
e portas milenares de Jerusalém rorejam
porque mandados do Senhor, universal edil, rasgaram-se.
ERMO RUMO
Colunas de basiliscos
(filas de centopeias, razias de lacraus)
(luz de aço arregimentada em covas de veneno)
despontam nas esquinas suicidas do mundo
vérmica horda intestinos açoda
lampejo de bazuca inimigos atribula
da tíbia basílica ossos já relampejam
sacudidos de escuro martírio.
Na igreja deserta
que párocos eretos agrilhoaram
por séculos e séculos sem trégua
Cristo recrucificando
a cada ano a dor comemorando
espinhos e pregos aprofundados
a cada batida do martelo da paixão.
TRANSFORMADA EM FESTA SEM PERDÃO
Na profana ágora, adro castanho
praça em que poreja multidão
a um crucifixo de metal fidelizada
agora jaz luz de vela lívida
em soberba bacia submersa
cercada de cactos e agrotóxicos
dos negócios da fé e do perdão (cura e usura)
das vidas sonegadas no aluvião do lucro
incessante como oração
que do lábio como milho reboa e ensaliva
e extática (ou falsa) prostração multiplica.
Da pátena de que lábios crus beberam sangue
como vampiros reste impune sombra, vinho hipócrita reste.
Toda essa festa imperdoável: baixou o preço da compaixão.
LUGAR DA ALMA
Nichos de górgonas azuis lua esquadrinha
crateras enlodadas ainda lábio escaninha
apetrechos de lustres civis prosperam
como ar nas masmorras.
Ermos hinos nos dízimos dormem
cânticos cegos buscam gargantas
ou luzes do esôfago que os enfoquem
e preces pairem sobre escombros
que restarem de suas almas.
Os já depostos no impiedoso limbo
sala de espera da eternidade
com lavabo honesto e WC alargado
amontoadas filas encompridando
a busca de balança que pese a alma.
INSCRIÇÃO
Trama na inquieta sombra
traço de ambíguo tigre
ovelha de nuvem amanha
concílio de aço espalha
pela lenta toalha da náusea
enquanto sopra sobre sua face arcaica
brisa de paraíso, chama de lata pulsa
e orquídeas olhar agasalha
queda a magia apenas
poeta na imodesta lápide leia
pausa de cisne, trânsito de rosas.
"Em cinzas do ar que a hora prenda
com as patas de aranha lassa
na teia alguma renda".
Ronald de Carvalho.
VÉUS CIÚMES
Véus tinham ciúme, linhos inveja.
Morte surpreende o dia
brota do corpo da tarde, invade
sombra de âmbitos fiéis
desfilam nos dedos elegantes
azuis aneis
a umidade selvagem
dos alpendres de dezembro cessa
ante calor augusto do amor
incorporado na rede.
Lírio esplende do jardim da coxa
doce suavemente rosa abre odor
que impulsa máscula narina.
Alvoroço de asas e rosas lusas
irrompe de violinos de ossos distantes
rumor de aço se houve
dos nervos das espadas brotou
de lâminas bêbadas descende.
Das quilhas lunáticas escuna
das vergas a mastrear das proas
e carenas vem o poema.
PELO DESEJO
Resvalo pela tarde como o cansaço
na piedade de um declive
cruéis fragmentos de abril
deixei ao largo do caminho
como quem volta de um país de espadas
voltei de duas lágrimas.
Tarde em que viveram lábios
da desnuda intimidade de beijos.
Entre a realidade e o desejo
está a verdade (e o destino).
Na pegada do óleo de amêndoa esquerda
no rastro do óxido de zinco da tarde
na contemplação do níquel
amoedo teu nome, envaso meu desejo eterno.
DESEJO MOVE O MUNDO
Ambrosia da lisonja embriaga
mais que cocaína da inveja
ou néctar turvo da vaidade.
Cópula do lótus com abelha
do agave com a babosa
do pêssego com a cereja
do pássaro com a corola
assisto todo dia
no leito sereno da brisa.
Dos cruéis pinos de abril
da pedra do meio-dia
extraio estrela de estanho
elaboro libélulas e senões.
Desejo move o mundo.
APÓS
aos pós
Depois de inúteis milênios
de rastros, soledades, estações
depois de ministérios e migrações
de desesperos e admoestações
depois de mortes aborrecidas
e tintas enamoradas
depois de manhãs porosas
de breves sentimentos e ais marmóreos
depois da cifra dos sofrimentos
e das tardes inconclusas do corpo
depois das devassas acácias do pátio
dos prantos de pedra, das sonâmbulas pias
depois dos labirintos, das caravanas e bacias
de areia e tâmaras
manhãs de incerto azul
em teus olhos passeiam.