03
Dom, Ago

Poemas
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a Edgard, à tarde, a ébrios

 

Ébrios amam bares, neles

sede imortal derramam

 

sob atônita emanação

de hinos atonais

 

 

 

ao grito dos hidratos

de carbono e etanois

 

Lançam hurras ao espírito

do álcool em trânsito por nossas veias

 

eco embriaga-se do reflexo da taça

delírio treme em cada gole extático.

 

Bares ébrios amados

Casulos da alma encantam

 

Aviltada a cada trago

a cada brinde endiabrada.

 

POEMA OFERTADO AO SACRIFÍCIO DA PENA

 

Para novilhos ofertados à sintaxe de ouro

para os que vendem templos, comerciam trâmites

ritos, calendários, dogmas, preces leiloam

ao ar livre de seus fervores

trinta colchões de sestércios contemplam

em meio a chusmas de ágios originais

e altos enjoos de juros verdadeiros

debêntures da crença assacadas da alma

fertilizada de náuseas monetárias

aos que movem dízimos

contabilizam pecados

anátemas podres atiram contra a verdade

aos que oferecem indulgêcias baratas

à venda nas feiras do íntimo

para os que escandem litígios

e especulam com bens do espírito

para os que calculam sílabas

falanges de versos descendem dos dedos

magnificam rimas, poetas cômodos.

 

INVECTIVO

 

Sobra invectiva, injúria sobra

restam áridas perorações

impropérios restam

sobrevivem anátemas

ferrinas admoestações sobrevivem

cataratas de insultos rastejam

diatribes se propagam como diabetes

acumulam-se dínamos de duradoura ira

catracas de prédicas acumulam-se

rios de lascívia jorram (fluem como bússolas)

montanhas de ratos erguem-se

fluem calúnias brancas

deletérias infâmias correm

como cânceres de desonras.

 

 

TEMPLO DE NAPALM

 

Vendedores do templo

que Jesus os despeje.

 

Dos portais estuprados

minam comércios profanos, ímpios

leilões hasta pública assaltam

acorrentam altares a elos de usuras velozes

com algemas bursáteis sacro enjaulam.

 

Orgias prosperem, farras

multipliquem-se tais pães etílicos

doutrinas se enruguem  de opróbrio cremadas

princípios pereçam

tudo o que seja má ao homem morra.

 

Expulsos do tempo mendigam

horas, debêntures anacrônicas emite o espírito.

 

 

 

DÚVIDA E MEDO SÃO IRMÃOS

SIAMESES DA MENTIRA INFIEL

 

Búzios etruscos, basiliscos de trigo

fuzis hebraicos encontram postigos.

 

Do ancoradoiro seio

do púbis ou na vertigem.

 

Do canil de teu coração duro

expulsa morte, coleira, esterco.

 

Bens dos que em Marot moram

faz tremer

 

porque dúvida e medo são irmãos

siameses da mentira

 

porque incerteza e temor

domiciliam-se em teu espírito

 

e portas milenares de Jerusalém rorejam

porque mandados do Senhor, universal edil, rasgaram-se.

 

ERMO RUMO

 

Colunas de basiliscos

(filas de centopeias, razias de lacraus)

(luz de aço arregimentada em covas de veneno)

despontam nas esquinas suicidas do mundo

vérmica horda intestinos açoda

lampejo de bazuca inimigos atribula

da tíbia basílica ossos já relampejam

sacudidos de escuro martírio.

 

Na igreja deserta

que párocos eretos agrilhoaram

por séculos e séculos sem trégua

Cristo recrucificando

a cada ano a dor comemorando

espinhos e pregos aprofundados

a cada batida do martelo da paixão.

 

TRANSFORMADA EM FESTA SEM PERDÃO

 

Na profana ágora, adro castanho

praça em que poreja  multidão

a um crucifixo de metal fidelizada

agora jaz luz de vela lívida

em soberba bacia submersa

cercada de cactos e agrotóxicos

dos negócios da fé e do perdão (cura e usura)

das vidas sonegadas no aluvião do lucro

incessante como oração

que do lábio como  milho reboa e ensaliva

e extática (ou falsa) prostração  multiplica.

 

Da pátena de que lábios crus beberam sangue

como vampiros reste impune sombra, vinho hipócrita reste.

 

Toda essa festa imperdoável: baixou o preço da compaixão.

 

LUGAR DA ALMA

 

Nichos de górgonas azuis lua esquadrinha

crateras enlodadas ainda lábio escaninha

apetrechos de lustres civis prosperam

como ar nas masmorras.

Ermos hinos nos dízimos dormem

cânticos cegos buscam gargantas

ou luzes do esôfago que os enfoquem

e preces pairem sobre  escombros

que restarem de suas almas.

Os já depostos no impiedoso limbo

sala de espera da eternidade

com lavabo honesto e WC alargado

amontoadas filas encompridando

a busca de balança que pese a alma.

INSCRIÇÃO

 

Trama na inquieta sombra

traço de ambíguo tigre

ovelha de nuvem amanha

concílio de aço espalha

pela lenta toalha da náusea

enquanto sopra sobre sua face arcaica

brisa de paraíso, chama de lata pulsa

e orquídeas olhar agasalha

queda a magia apenas

poeta na imodesta lápide leia

pausa de cisne, trânsito de rosas.

 

"Em cinzas do ar que a hora prenda

com as patas de aranha lassa

na teia alguma renda".

Ronald de Carvalho.

 

 

VÉUS CIÚMES

 

Véus tinham ciúme, linhos inveja.

 

Morte surpreende o dia

brota do corpo da tarde, invade

sombra de âmbitos fiéis

desfilam nos dedos elegantes

azuis aneis

a umidade selvagem

dos alpendres de dezembro cessa

ante calor augusto do amor

incorporado na rede.

Lírio esplende do jardim da coxa

doce suavemente rosa abre odor

que impulsa máscula narina.

Alvoroço de asas e rosas lusas

irrompe de violinos de ossos distantes

rumor de aço se houve

dos nervos das espadas brotou

de lâminas bêbadas descende.

Das quilhas lunáticas escuna

das vergas a mastrear das proas

e carenas vem o poema.

 

PELO DESEJO

 

Resvalo pela tarde como o cansaço

na piedade de um declive

 

cruéis fragmentos de abril

deixei ao largo do caminho

 

como quem volta de um país de espadas

voltei de duas lágrimas.

 

Tarde em que viveram lábios

da desnuda intimidade de beijos.

 

Entre a realidade e o desejo

está a verdade (e o destino).

 

Na pegada do óleo de amêndoa esquerda

no rastro do óxido de zinco da tarde

 

na contemplação do níquel

amoedo teu nome, envaso meu desejo eterno.

DESEJO MOVE O MUNDO

Ambrosia da lisonja embriaga

mais que cocaína da inveja

ou néctar turvo da vaidade.

 

Cópula do lótus com abelha

do agave com a babosa

do pêssego com a cereja

do pássaro com a corola

assisto todo dia

no leito sereno da brisa.

 

Dos cruéis pinos de abril

da pedra do meio-dia

extraio estrela de estanho

elaboro libélulas e senões.

 

Desejo move o mundo.

 

 

 

APÓS

aos pós

 

Depois de inúteis milênios

de rastros, soledades, estações

depois de ministérios e migrações

de desesperos e admoestações

depois de mortes aborrecidas

e tintas enamoradas

depois de manhãs porosas

de breves sentimentos e ais marmóreos

depois da cifra dos sofrimentos

e das tardes inconclusas do corpo

depois das devassas acácias do pátio

dos prantos de pedra, das sonâmbulas pias

depois dos labirintos, das caravanas e bacias

de areia e tâmaras

manhãs de incerto azul

em teus olhos passeiam.

 

 

Murilo Gun

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