No cálix de tua sede busco
regalo de dor, ápice do amor úmido.
Esgane a sede mas nunca a esgotes
ame com o esôfago, amasse
a pepita do êxtase com pertinácia.
Abandono de rosas
cave de falsos corações fervorosos
que simulem jardins sepultos
é o que se faz quando
rejeitam a poesia vera.
Ao som tíbio de ocos crepúsculos
colhidos juntos a ruínas de sonhos
desfrutas o frio mundo.
E o carmesim do amor
vira cor de ferida, nojo, asco
repulsa à vida.
Se não cresce hino entre monturos
é que o solo do coração é fútil
e falsa a verdade do amor.
É água esgotada
da sede do amor
esgoto do ser sozinho.
À suave pátria da carne
partitura do som de êxtase desates
como água de bica são as coxas abertas da vida
diga, amiga, com o vital apreço do gozo
a carne é impecável
e melhor colina não há
que a do púbis a que boca suba
inevitável e pura.
Ó pátria carnívora
e única vital
que eu te adentre
com música selvagens
e golpes cadenciosos
abrindo pássaros
em teus flancos nus.
Navegarei – nauta delirando no rumo do corpo
pelo vale aberto das pernas
e no arroio lascivo dos sumos mergulho
tuas íntimas terras meu tugúrio
milho, céu, sede
onde garças do orgasmo deslizam
como relâmpago o êxtase
nelas se aninha.
(Este poemas da madrugada serena
doo a ti, impossível amiga).
Te amo como a um fuzil abandonado
como a um tenor que sufoca a garganta
locus do amor.
À cálida vida a dentro de ti
embriaguez vital, não resisto.
De tua seca boca – cifra dos meus desejos ocos
não desisto, és adorno
do manjar humano, erva viva
seiva, humo, suco mágico, saliva serva
arena do amor. E estertor.
Quando fustigas o desejo, sou.
Abandonado como um náufrago
da noite eterna e só não sou.
Sem a terra do teu olhar
sobre meu corpo nu vivo.
Nau rosa do teu seio
crespo mar dos alegres pentelhos
salmoura do teu gozo insano
cruel manhã que interrompa o amor
ocaso doloroso do fim do beijo
páramo negro do teu corpo cru
horizonte fechado dos olhos em cio
tudo foi naufrágio.
Sei que meu porto é ao sul do teu ventre
minha baía são as águas de ti
que me submergem a boca vital
minha veia é tua veia
em tumulto no leito alado.
Teus gestos são como água
sobre meu tórrido espírito derramada.
Perfumes são teus beijos
(que me devoram inteiro).
Terra devastada sou presa
de teu seio estremecido.
Abandono-te a boca
mas teus beijos duram.
Como vaca embaraçada
é meu ser que abandonas
quando férreo amanhecer
interrompe o amor
estraga o êxtase
tudo acaba.
Para em nova noite renascer
mal a cicatriz da manhã morra.
Quis ser feliz como uma folha
que me secas
como um deserto que me atravessas
como o horizonte que me negas
não sou feliz
o céu é pétreo
a vida água estagnada
o amor ilusão amável.
Olhos condenados a não te ver
morreram.
Vida deserta que me deste
não é.
Nascer para viver morte
e não ser um todo em ti...
Pra que manhã
se à noite já não te fruo?
Debruçado sobre metáforas nuas
sob anestesia da solidão doente
hipnotizado por matizes surdos
abandono em mim o ânimo
único recurso... além do motel da vida
é a manhã sem luz interior
(até a lua – esse cão vadio
me deixou sozinho e late
quando não te vejo)
à jaula do amanhecer jogado
como um osso ou uma hóstia.
Se sono já não fecha a pupila
se deserto do teu ser me acolhe
se ausência do teu corpo me tolhe...
Já não gritam as crisálidas
já pérolas do desejo coagularam
dormem pianos do afeto
úmida relva do íntimo bosque
à boca se nega
conceito do amor cessou
só restam a mim o pântano do poente e o irreal
a tosca realidade sem ti
o medo de não ser mais eu
todo o ardor morto
toda a beleza do gozo negada
ocasos movediços restaram
febril primavera não durou
mais do que uma noite distante
esfumou-se a geometria do êxtase
restou só a cinza do inerte
e velhos despojos do desejo.
Não se pode deixar o outro um só instante.
Solidão é doença incurável como manhã.
Beber o vazio não embriaga, mata.
Acariciar o deserto é dose.
Cor fica surda sem amor.
Silêncio alucina.
Beijo não se bebe a si mesmo.
A cama já não tem sentido, lençol trapo sem tino.
Sono irreparável.
A lascívia dos lençóis cessa.
O sal dos lábios é ácido.
Alba é pesadelo vasto.
Noite, puro martírio.
Que é vida sem a outra?
O júbilo é escuro
a luz chora.
Onda de artérias vazias, o rubro pálido
deleite morto
dor presumida
não mais gemido, só rancor
e concerto de desventura
estéril a essência só
carne sem ardor
abandono puro
um silêncio branco e uma palavra morta
o som da cinza escuto
na noite indestruída
da hora deserta e dura
a ferir o tempo do ser
sem o viver no outro.
A cada palavra
só o silêncio lauto responde.
Te foste com a aurora
e meus olhos morreram.
Tudo o que não dizes ouço
como uma perda, um pássaro morto.
Tudo o que calas sinto
como palavras sós.
Não estou, mas estás.
não sou, mas és.
De solidão e silêncio
não se faz poesia.
Se faz dor intemporal.
Todo o teu ser deixou-me.
E nada restou.
Toda a eternidade é pouca
para curtir ausência longa.
Já não existes, mas já não te quero talvez.
“Para que nada nos amarre
que não nos una nada”
Ao crepúsculo da rosa.
Só restou um vão desejo imenso
e quase uma dúvida.
A cinza de um sonho roto.
A verdade de uma vida lassa.
E uma irrespiração profunda.
Sem pássaros ou amparo.
Só o eco de um beijo úmido. Seco.
Lábio saturado de desventura.
Restaram espinhos meus
da cruel rosa do teu olhar.
E não ficou a pele, ficou o frio.
A única pele era a tua em mim.
Um mar desolado restou
de águas noturnas e sem espumas.
Não restou o rio (que eras)
só o ribeiro solitário (que sou).
Algumas sílabas do desejo
vida levou de roldão pra onde
para o ralo (que sou).
A comporta que eras se fechou.
Alguma memória
mesmo como cicatriz
não restou.
Só restou.
Só restou o resto.
Nem um sopro restou. Ou um vômito.
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