É preciso reconceituar a poesia. O entendimento consensual até a atualidade baseia-se no cânone sagrado da literatura e dá conta em sua maior parte da poética tradicional.
Enquanto que as produções que surgiram nos últimos quarenta anos ainda esperam para se cristalizarem e entrar nos livros didáticos ou caírem no gosto deste ou daquele crítico. O caminho para essa cristalização é muito longo, pois o volume de textos que surgem diariamente é enorme.
Por isso, é preciso registrar e entender o que se passa atualmente na literatura, para não corremos o risco de continuar somente com um retrovisor escrevendo o passado, ao passo que a arte reverbera no agora. Tenhamos coragem para analisar o processo ainda em construção. Por essa ótica, urge que teorizemos, mesmo correndo o risco de algum conserto mais tarde. Que se entendam as características e intenções da poética atual. Este é o propósito e a contribuição pernambucana de hoje, capitaneada por Vital Corrêa de Araújo, provocante escritor no campo das metáforas, com a contribuição de alguns atentos pesquisadores da poética nacional, de professores e universitários da FAMASUL.
Assim, surge um bando de destemidos analistas, intelectuais, escritores e simpatizantes da Poesia Absoluta. Percebe-se que, na atualidade, a poesia se depreende de amarras e visita o surrealismo, com liberdade total, como fizeram grandes autores de nossas letras. Poesia não para dizer coisas, mas para denunciar a inquietação que move o homem contemporâneo. Eis a contribuição de Pernambuco:
- VITAL CORRÊA DE ARAÚJO - É preciso investir (inversão real e concreta) na recepção da obra poética neoposmoderna. Preparar o leitor bem. Assediá-lo sempre. Militar nesse futuro leitor. Fazer o trabalho de alistá-lo nas hostes velozes e promissoras da poesia absoluta, no âmbito de um processo aberto de proselitismo (largo e insistente), até que se estabeleça um certo horizonte de expectativa no leitor, e a expectação mire os poemários (em livros e revistas que publicam poemas absolutos e sua neoteoria).
- REGINALDO JOSÉ DE OLIVEIRA - A poesia do absoluto “canta” a mensagem divina que emana dos recantos mais profundos do Todo, aquilo que Aristóteles definia como o motor imóvel que a tudo move. A poesia do absoluto é atemporal e tem efeito não-local, está completamente livre de espaço e tempo e define o indefinível; busca compreender o incompreensível; busca retirar algo de onde nada tem para ser tirado.
- ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE - Nesta nova poesia, na ausência da palavra, uma linguagem a substitui, preenchendo o vazio, o nada. Ela não é mais um signo, é um corpo. Não é nem medida (Racine), nem sua rejeição (Shakespeare). No limite, quando a consciência está a caminho de apagar-se, tudo será apenas um som, sendo nesse mesmo momento que a cor explode. É isto que é a poesia, se acaso for.
- MARCONDES TORRES CALAZANS - Ora, se a poesia se faz com palavras e não com ideias (Mallarmé), isso quer dizer que ela é feita de aforismos, e esses pensamentos são delírios que se passam na alma daquele que o escreve e, quando escreve, o faz em busca da autocompreensão, da busca de si mesmo. Mas como entender essa poesia, se ela não nasce da ideia, é mero pensamento? Pensamento que se achocalha nas vibrações constantes dos neurônios dentro da cabeça do poeta.
- ADMMAURO GOMMES - A intradução do sentimento beira o inacessível e é algo mais profundo do que derramar algumas lágrimas de saudade. Saudade todo mundo tem, poesia não. Poesia vem mais do átomo do que do íntimo. Está no lixo de Manuel Bandeira (o bicho homem comendo detrito na imundície do pátio); nas lagartixas de Manoel de Barros (que têm odor verde), na barata de Kafka (sujando a branca humanidade de horrorosas manchas), até no não-lugar de “J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história” de Carlos Drummond de Andrade. Ela brota em todo canto, só não do coração, instrumento de uma nota só, insensível a veia poética até que “se desfibra e stop,” sem memória, nem alma.
- OSANI SEVERINA - A Poesia Absoluta designa e se traduz em algo esplêndido, inesperado, que permite certo choque à inteligência humana, que se depara com algo jamais visto sentido e ouvido. É a essência da luz com o seu maior e inusitado brilho que nos cega até o ponto de voltarmos para o nosso eu, conhecer e reconhecer a nossa mente nua e crua dentro de um campo de significâncias e não de significados.
- HUMBERTO DA SILVA CÂNDIDO - A poesia, com sua singularidade rítmica que está disposta em palavras que se relacionam, nos fornece concepções e indagações para compreendermos nosso mundo interior. Deitados na madrugada, podemos, solitária, dicotômica e tricotomicamente dialogar e num transe: o id, o ego e o superego são nossos ditadores.
- OSMAN HOLANDA CAVALCANTI - A poesia absoluta tem na sua forma (não o fanatismo parnasiano pela forma externa, pele, não alma da palavra poesia) sua marca. No sentido de que o essencial não é a mensagem do poema, mas a forma dessa mensagem. Não é o que diga o poema, mas o modo de dizê-lo. O poema indiz, metaforiza, revoluciona a linguagem, é a palavra na posse de seu máximo potencial expressivo.
- ROMILDA ANDRADE - A poesia absoluta nos remete a algo indefinível, que não se baseia em significações para existir. Sua natureza já traz consigo uma acepção subjetiva que, partindo das sensações, pode-se identificar o “lugar” que nos leva à palavra. Eis então que surge o caminho... para onde nos levarão Néstogas!?
- ODISSEUS MORALES - É imprescindível demolir o paradigma vigente, em que ainda reina o anacronismo deletério – como todos – da sobrevivência indesculpável do parnasianismo, que sufocou o simbolismo da geração 45, desencaminhando-o em direção a um neoparnasianismo retrógrado. E não informar ao leitor o imediatamente compreendido na construção lógica do texto.
- JOÃO CONSTANTINO GOMES FERREIRA NETO - Nossa cultura ainda não está preparada para conviver com a poesia neofigurativa, forte e independente, independentemente dos reflexos que possa produzir, acústica e/ou visualmente diante de todos. Sua escrita se dá sem a presença, antes necessária, de significados, traduzindo assim, a proposta de materializar o intraduzível, e se libertando do modesto, do bem feito, bem elaborado, bem estudado.
- TELMA BRILHANTE - A poesia tem por missão captar, aumentar, dilacerar, ampliar as significações, isto do todo (e assim, cada palavra ou sintagma, frase ou verso que projetem ângulos ou feições desse todo), para transmitir (ou exprimir) as revelações e assim comunicar o invisível do conteúdo pelo visível da forma.
- GABRIELA RAIANNE DA SILVA - A linguagem poética já não tem que imitar a natureza ou explicá-la como a maioria do discurso prosaico ou descrição realista, mas fazer surgir uma realidade nova.
- CLÁUDIO VERAS - O poeta original é o que oferece a novidade (uma bandeja nova também), mesmo sob sol impossível. É o que traz (leva o leitor também novo – não cronológico, ou que assim o queira) a evolução – e não o mesmo estado – status quo, isto é, o vital poema.