03
Dom, Ago

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Rogério Generoso 

         Quando o mundo era um todo dado pela natureza, estava o homem cercado por uma diversidade de vidas desconhecidas.

Estava ele diante da terra, do céu, do sol, dos rios e mares, das flores, dos animais, das montanhas, das cavernas, das rochas, desertos, oásis, ilhas, regatos, árvores, vulcões, tremores de terra, etc. Um mundo admirável! Estava ainda exposto aos sonhos, às idéias, às emoções, à imaginação. Estava ele diante dele mesmo, e de seu semelhante. Quanto êxtase! Eram personagens divinas, cuja história os poetas narravam.

          O homem, único herói capaz de conhecer e modificar toda aquela realidade. E foi balbuciando que flagrou a poesia, inventando a linguagem enquanto se deslumbrava com o ofício dos deuses da vida: o nascimento da poesia. Escutemos a voz do poeta grego: “Chegou a aurora, mostrando seus dedos rosados entre a névoa matinal...” (Homero).

         Os precursores da poesia moderna estavam no início dos tempos; a ciência não estava desenvolvida. O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza, mas eram cônscios de que não podiam criar a vida verdadeiramente. Para Aristóteles as causas que deram origem à poesia foram o prazer em imitar e aprender. O poeta se apropriava de um modo de ser, de sentir e de pensar. “O poeta deve falar em seu nome o menos possível, pois não é nesse sentido que é um imitador”. Foi por esse caminho que o homem deu início à apreciação estética, mas não foi por aqui que ele ficou. Outros elementos entraram nessa consideração. O grego aceita as sensações e a vida, e as subordina a uma disciplina intelectual. “A beleza, a harmonia, a proporção não eram, para os gregos, conceitos de sua inteligência, mas disposições íntimas da sua sensibilidade”, constata Fernando Pessoa.

            Perante a estética, o poema tem por fim só uma finalidade: criar a beleza. Os seus instrumentos de criação são as ideias, as emoções, a imaginação. No entanto, a construção do poema moderno nos trouxe outros elementos inovadores que interferiram na realidade social do poema, através de uma metáfora criativa, imitando a vida enquanto deformando-a. Outras faculdades viriam para flagrar uma nova estética da sensibilidade. A subjetividade ganhava o caráter do poeta; a erudição, a sua vida; a harmonia desconhecida, intuitiva, fenomenológica. O poeta possuía a seu favor a memória; a faculdade de inventar, de prever, de persistir e de designar.                                                                                                       

               Para tanto podemos ver em “A Desumanização da Arte”, um ensaio em dimensões filosóficas de Ortega, onde ele busca o sentido dos novos propósitos artísticos, sua intenção. Os fundamentos dessa nova sensibilidade, que está voltada para a interioridade do poeta, seu contexto, sua história, sua memória, seu modo peculiar de sentir a vida por ele mesmo. A presença do “eu” categórico.

 

           “O que torna moderna a poesia moderna?”

 

            Avesso ao didatismo e ao jargão acadêmico, é preciso compreender a verdade da poesia moderna, que não significa fazê-lo por meio de preceitos ou categorias totalizadoras, mas antes surpreender suas características mais marcantes em meio aos conflitos artísticos e existenciais que perpassaram a história do século 20;. nesse contexto, a figura emblemática de Baudelaire aparece como uma espécie de foco irradiador, ao passo que Rimbaud e Mallarmé figuram como polos tensionadores, opostos entre si, e equidistantes da matriz baudelairiana. Se Rimbaud pretendia “recriar o mundo pelo poder de sua imaginação”, levando adiante o sentimento de “implacável rejeição à ordem burguesa e capitalista”, presente em Baudelaire, Mallarmé “simplesmente depreciava essa miragem brutal, a cidade, seus governos, a lei”, absolutizando a “doutrina que considera o ato de escrever poesia uma atividade autônoma e autotélica”, também preconizada pelo autor de Fleurs du Mal.

 

           Se o reconhecimento desta contradição originária do poeta moderno leva-nos a constatar que “até mesmo depois do Simbolismo, Imagismo, Futurismo, Expressionismo, Surrealismo e da nova Poesia Concreta, não apenas os críticos e os leitores, mas também os poetas continuam divididos sobre aquelas perguntas a que Baudelaire não pôde dar uma resposta inequívoca”; cada poema moderno reatualiza a problemática baudelairiana. Assim, que a verdade da poesia moderna “deve ser encontrada não apenas em suas afirmações diretas, mas em suas dificuldades peculiares, atalhos, silêncios, hiatos e fusões”, ensejando a adoção de uma perspectiva comparativa, capaz de articular e matizar tendências abarcadas pelo recorte proposto.

            “Carta dita do Vidente” (Rimbaud a Paul Demeny) assim inicia: “Resolvi lhe dar uma hora de literatura nova...”; “Eis alguma prosa sobre o futuro da poesia...”; “há letrados, há versificadores. De Ennios a Theroldus, de Theroldus a Casimir Delavigne, tudo é prosa rimada, um jogo, amolecimento e glória de incontáveis gerações idiotas: Racine é o puro, o forte, o grande – Se tivessem soprado nas suas rimas, misturados seus hemistíquios, o Divino Bobo seria hoje tão desconhecido quanto o primeiro autor de “Origens”. Depois de Racine o jogo embolora.

          

Durou dois mil anos.”; “Pois EU é um outro. Se o cobre desperta clarim, não é por sua culpa. Isso me é evidente. Assisto ao nascimento do meu pensamento: eu o olho; eu o ouço; faço um movimento com o arco: lanço um toque de violino; a sinfonia faz seu movimento no abismo, ou de um salto surge na cena. Se os velhos imbecis não houvessem encontrado do EU apenas a significação falsa, não teríamos de varrer estes milhões de esqueletos, que há um tempo infinito, acumularam os produtos de sua inteligência caolha, proclamando-se autores!”; “O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o seu próprio conhecimento, inteiro; ele procura a sua alma, a inspeciona, a tenta, a aprende. Quando a sabe, deve cultivá-la; isto parece simples: em todo cérebro há um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores...”; “Digo que é preciso ser vidente, se fazer vidente.

 

O poeta se faz vidente por meio de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para só guardar as quintessências. Indizível tortura na qual ele precisa de toda fé, de toda a força humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito – o supremo sábio – Pois ele chega ao desconhecido! Porque ele cultivou a sua alma, já rica, mais do que nenhum! Ele acabaria por perder a inteligência de suas visões, ele as viu! Que ele morra no seu salto pelas coisas incríveis e inomináveis: chegarão outros horríveis trabalhadores; eles começaram pelos horizontes onde o outro se curvou!”

Murilo Gun

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