“A crítica costuma não confundir a obra literária com seu autor. São dois elementos distintos, que se confirmam com a “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, e a “Filosofia da Composição”, de Edgard Allan Poe.
Todavia se faz necessário associar a obra vitalina ao Vital, seu criador e, por extensão, compará-lo aos deuses do Olimpo, na Grécia, notadamente à Érebo, que se uniu com a noite para procriar. Esse deus é anterior à antiguidade: ele produz ou inspira invisível simpatia entre os seres. Aproxima, une, mistura, multiplica. É o deus da afinidade universal. Invencível. Nenhum ser pode furtar-se à sua influência ou ao seu poder. Esta é a descrição do amigo e poeta Vital Corrêa de Araújo.
A teoria da prática revela, na evolução da obra vitalina, uma estranha e fascinante combinação de uma atitude e de temáticas vitalistas, dionísica (sem levar em consideração a temática do deus Príapo), com um abstracionismo formal que constitui, na formulação da sua própria poesia, o espinho do intelecto cravado numa predisposição imagística que se faz prática na poética sistematizada de Vital. Uma forte marca de sua poética é a concepção formal e verbal: o poema é a sua forma, seu conteúdo é da esfera do existencial, que podemos observar em DISCURSO CRESCENTE DE MIM:
“Hoje estou só sem vírgulas ou palavras súditas
estou acamado nas nuvens mucamas do poeta
nefelibatando infelizmente prenhe de imagens úmidas
à supefície da lua me ato ao rosto do amor
à beira mar de Vênus curvo-me
nada surge no meu auge fúlgido nada
me lembra a não-náusea de teu corpo – arte
que Sartre em Simone bela bebeu
uno-me ao fôlego lisbonense das sereias
meu ar ávido divido com épuras e coivaras da vida
ou inertes corações de cedro dinamarquês ergo
às canadenses miragens do meu velho empório de sonho
que alto professor de poesia alicerçou de palavras sublimes”.
O poema, no seu Discurso Crescente, trabalha com dois eixos, que se centram no poeta enquanto ser agregado à sociedade e numa forte relação hermenêutica, onde o poeta se debate entre o real e o imaginário, através do sonho, todavia, só encontra esse real nos intervalos do sonho (no seu nefelibatismo), que o leva a Sartre e a Simone na sua náusea do Tempo Perdido, que fez encontrar a psicanálise de Sébastian Joachim com o existencialismo de Jean Paul Sartre.
A poesia de Vital, também, doa fogo a Páris e atinge Helenas na Hipnose de Afrodite, em plena “Quarta, às Quatro”, sem Menelau a procurá-lo, pois a Tróia não está em guerra: faz parte dos intervalos do sonho, este é o seu real. Todavia, como um René Maria Rilke, na Canção do Porta Estandarte, ele prossegue arrancando o coração das palavras e doando (como um tira-gosto acre de vinho) às viúvas do Olimpo, que se embriagam, apenas, com as semias do fogo que ardem no útero das palavras:
“[ainda]
Aos alabastrinos ângulos do sal
Às fecundas mucosas das vaginas
A maciez dos lábios virginais
Ao hipnótico olho da papula
Ao pólen no coração dos cadinhos
Às cimitarras de aço sumério
Às facínoras curvas da foice
Aos feéricos vagalhões das lágrimas
Aos púbis transcendentais
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Este é um poema para os não habituados
Para os habituados, não é um poema”
O poeta Vital buscou as veredas dos deuses, a fim de nos oferecer a semiologia das palavras, que se encontram do outro lado da margem, nos oferecendo e mapeando os limites da diacronia e sincronia (“langue” e “parole”), sintagma e paradigma, e compreender que o signo só significa na dependência da linguagem, embora ausente do texto motiva a sua estruturação, através da metonímia:
SEIOS
“Rijos deuses redondos
para o culto alpino do lábio
canções de carne
que mordem a boca
e encantam
a alma da mão.”
Neste poema, as metáforas, misturadas a todos os casos da metonímia, se transpõem e levam o sujeito ao reino do onanismo universal / “e encantam / a alma da mão/, enquanto sacerdote do / culto alpino do lábio” /. O poeta se doa ao imaginário, através do sonho e do SIM-bólico.”
A poética de Vital nasce e cresce, a partir do líquen das palavras e se espalha aos ventos zéfiros engravidando o tempo poético do poema (como as éguas iberas) em Machado de Assis, que engravidavam pelo vento, através da luta com as palavras. Sua obra poética vincula-se a um martelo quebrando as pedras dos vocábulos, a fim de criar um poema novo repleto de futuros.