03
Dom, Ago

Poemas
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O tempo é uma rua de Paris

cheia de pacíficos murmúrios

e rumores de serpente persa

dos vândalos gozos

das usinas de absinto estrelado

com uivos verdes de anis

e tédio cintilante

 

 

como magnólia de Matisse

perdida entre sementes surreais

de Tâmaras setecentistas (centesimais)

ou brotando do sopro de uma flauta surrealista

talhada de um vértebra sublevada de Breton

 

Rua, latada, vereda ou horta música e mística

sons de ossos dadaístas

acantonados na Suíça.

 

(As vértebras francesas do tempo aguentam

– sem trema, tremor ou temor

chusma de espaços cósmicos

fuzilando a rótula da hora).

 

O tempo além da Tâmara

(depois do lis e da comuna

pós-napoleônico e rebelado)

vem num junco chinês

(padiola, élitro, mácula, palanquim ou cupê)

pende de uma clavícula de Maiakovski

semelha víscera de Aragon

fêmur de Eluard

(com quem a liberdade das horas parece-se).

 

É uma bandeira que tremula

(tarantela russa, balé de Rasputin)

fincada no abdome de um general

(servil ao capital que aquartela ditaduras)

como roupa no mais vil varal

exposta aos ventos do vilarejo

que Deus esqueceu em Portugal

(dos cafundós dos Judas vem ruído de notícia).

 

É uma balconista boujando

perto de uma sarjeta industrial

(o gas metano da usura alimentando alvoradas

pálidas como a injúria ou o descompasso).

 

Ou uma paisagem milimétrica de Funchal

o microcosmo cônico do Curral das Monjas.

 

Tempo é dinheiro, pragueja o banqueiro

e não se deve perdê-lo com poesia

 

o tempo industrial, cívico, palpável.

 

Tempo é uma gleba

arrendada a um estranho numa feira

duma vila que Deus esqueceu.

 

Tempo vale

a santa usura de cada dia.

tempo não é Tâmara.

nem precisa de aleluia.

 

POESIA E POLÍTICA

Predicar rebanhos

não é nada poético

saliva com palavras

em poesia heresia.

 

 

Não mais se rima com urrar

erre de réproso, imã de ferro

(limalha de lágrimas, dor de candelabro)

a poesia abandonou a praça

agora vive de metáforas

elegantes nos salões da náusea cotidiana.

 

E de epifanias bruscas

e teologias urgentes perora o púlpito.

 

 

Ração de metáfora

dieta de sinédoque

regime do poeta

nada democrático

porque discrimina simples palavras.

 

O poeta é o guardião do fogo sagrado

ou não é nada. Nem gozo.

É custódio do mistério da vida

ou charlatão decorativo, dispara

Stefan George.

 

O poeta é um charlatão

que peregina nas páginas

do embuste das palavras.

 

 

A sociedade hoje não é mais

depositária do espírito.

É banal,virtual,  comerciária.

como rima ruim e farinha carunchada.

Só mera rede lassa, turva

de relações de interesses escuros ou lascivos.

É a poesia algo sempre desinteressante

para essa nada sutil e desnecessária sociedade.

 

 

DOIS POEMAS DURANTE A CHUVA (2011)

 

 

Tudo que impregne de metafísica pátina

de lenta mácula ou veloz suplício

de pus ou artifício, cinza azulada

ruína de estrela, garganta de galáxia

paredes da alma, muros do espírito

da poesia moderna vale o sacrifício (cínico).

(Diz o grifo grafitando o início branco).

 

 

A chuva caía (direta das bocas de labo recifense

infensas ao jorro de porcarias diurnas

leva de destroços, sangue e albumina

além de ráfaja de angústias e detritos mentais

– que edis fabricam dia a dia lixo a mais)

empoçava a cidade, consumia a paciência

dos cidadãos afogados na incúria e no despojo.

 

 

Água do céu caía como sinos loucos

sempre prismaticamente

bátegas sonoras

pesos molhados

enxurradas de gritos desabrigados

o ser desalojado como joia deserta

correnteza indescritível veia aberta do mundo

cadáveres de crianças boiando na rua

entupindo galerias, enriquecendo esgotos

cidades esfomeadas destroçando os homens

(de boa vontade).

 

 

Para crivo da sarjeta (tapete do prefeito

tangente nua, elemento de imposturas municipais

ralo do inferno vital, trampa, pódio e sal

do pobre habitante dos bairros

e morros bandidos (menos nobres)

porcos sem vida do Recife secreto

e esquecido de sempre (para sempre

dos rosários de séculos genuflexos, amém)

 

 

Boa Viagem, 15/06/2011 (4 horas)

 

(EU) CAMINHO PELO ACASO

Quem caminha pelo acaso

ou lê muito Mallarmé

ou encontrará um poema

nunca uma pedra

no meio do caminho

acasional e franco

 

 

Percorrí o acaso

seus ângulos súbitos, práticos, inconclusos

(hiatos subornáveis de uma sintaxe encanecida)

e nômades cubos inabomináveis

inusitado ermo redondo

cavalos contra o abandono

suas tendas de sábados

condados com abades calvos

pias bacias

oblongos globos de pó

e veredas amarelas desusadas

e camelos em caravanas carameladas

botões submissos

painéis incontroláveis

sendas vicinais cegas

 

 

(continua na outra página o poema

Caminho pelo acaso).

 

 

Invisíveis ou rotas trilhas

rumos indecisos

redondezas mórbidas

aventuras cinzas.

 

 

Percorrí o acaso como

cego anda sobre fogo

como mulher nua

pousa numa cama branca

de cambraia lua

borboleta sonolenta apressada

pela rapidez do néctar

avidez da rosa

como um som dorme

no leito da tecla

ou touro procura sono.

 

 

O acaso do tempo não vem a caso.

O inciso que abra próximo parágrafo.

O que vai acontecer num lauto sábado.

(logo depois da sessão dura do Juízo Final

que acontece numa sexta perto do céu

(no Fórum divo erguido sobre alicerces angélicos

 

 

Assim que Deus deu por encerrados os trabalhos

exaustos, a pilha de processos pecadores pouco diminuiu

e multidão desajuizados

voltaram incontinente para op purgatório

alguns para o limbo cabisbaixos).

 

 

 

A vetustez de um domingo de água

Aceso ao acaso (de uma tempestade

Que desabou sobre candelabros).

Severo acaso preparou meus passos.

Vida trôpega tropeçou nos cadarços.

 

 

E para meus olhos tristes

(que touros contemplaram)

e pacíficos bélicas lágrimas restaram

 

mas com certeza moçoila deu-lhes

além de abúlicos desejos

papoula e tulipa

e um pouco de luneta

com pálpebra de borboleta.

 

 

THE END

OUTRO POEMA

Acaso feito de silêncio lilás

que cresce em muros

ou do movimento de um torno usinando

seios negros

(como aparato de metáfora

preparando o poema.

Ave lâmina, alma de navalha

navegando no lábio.

 

Acaso feito de aloés lento

e zelo de outubro

 

além de avidez e ânsia azul.

 

Acaso dos olhos das janelas de janeiro

da alma das estradas do corpo

dos delírios de outubro vermelho

 

acaso dos aromas de uvas e estrelas

dos percursos de cideira

das hóstias de graviola

 

e de tudo que jaza

na pena do poeta.

 

Acaso dos êxtases azuis

e das cores geométricas

 

dos frêmitos trêmulos

e das movediças insolações

 

loucas como sons de escaravelhos

nas arenas do Sahara.

 

Acaso o brinco de tua alma

ainda estremece como outrora

quando meu corpo sujo

desabava abrindo-te as carnes?

(Questão íntima de múltipla memória).

 

(Acaso madalenas de santas ceias

de vez romperam o monopólio do homem!).

 

A Cionam

e as suas insônias

penduradas das pálpebras

(irmãs postiças de Freud)

 

 

Ao ensejo da leitura de Admirações e Perfis

(a bordo do Bleu de France

em pleno périplo atlântico)

 

SER POÉTICO AÇÃO POÉTICA RIMBAUD

A língua da poesia não é a língua comum, dada

enfeitada com este ou aquele adorno de palavras servil

retórico enfeite rímico recurso versificatório

ela explode os quadros estreitos da gramática para

através da agramaticalidade criar

a música do significante (usina sonora e catódica do verbo)

um outro sistema de geração de sentido

de novos sentidos vivos.

 

Opera a deslinearização do significante linguístico

destreiação da sintaxe cansada e quebra

da coerência verbal, é forte

de infinitização de sentidos.

 

 

MELANCOLIA

A melancolia é atlântica

tem ventre e espasmo

(tristeza insolente beira o rosto)

é certeza (literária ou não)

como canções sigilosas ou bélicas

como páginas arrancadas da agenda de Deus

como pária sem porto o poeta

ancora na melancolia (essa bílis do espírito)

 

ela tem espaço e pele

aporta na alma (com raízes e bagagens)

adorva o espírito

proclama o distúrbio

carne da verdade.

 

ISOLADO INSTANTE

Na barra do mar

onde auroras regurgitam

imprecisas como fulgor cego

mesmo quando ébrio clamor se rende

quando mesmo que antes brilhe sobre timbres

de treva e corvo (sempre mais)

e as cores debandem.

 

PLENO ATLÂNTICO / MAIO/2011

Sinto áspera suavidade de tua pele

repousando em meu joelho

presença selvagem (da memória)

de teus membros lúbricos

vejo beber-te minhas vastas narinas

meu puro olfato em cheiros dorsais mergulhado

até completo êxtase nasal

cada poro de mesma selvagem do corpo

(halo de volúpia completa) sugado

o perfume de tua vulva (doce) pequena

avivando a narina

abeirando-se o lábio

 

foi por isso que vim (conhecer-te)

vim a teus pelos sentir-me

arvoredo vasto, intrincado, lúdico

 

vim para sentir-te em mim

 

com a alma através de um punhal

como a água usa a transparência

para fugir.

 

POESIA: FINALIDADE EM SI MESMA

 

 

Conexão de encanamentos de palavras

para montagem de vasos incomunicantes

de sentidos com acoplamentos irracionais

à vista do espírito do leitor insistente

ou absurdo (como o prazo da morte)

 

 

e sistemas de abastecimento da alma

com válvulas amaras

 

e aprisionamentos náufragos

e ajustamentos cínicos

 

ou derramamentos cônicos

sem vazões do destino

 

 

bacia sanitária de metáforas

adornada de aromas carnívoros

enfezada de epítetos nus

e filtrações de gerúndios intravenosos

monitorada por gramáticas extraventrais

 

ralo para paradoxos de feltros prósperos

e dispositivos aveludados

para transmissões de sibilas náuticas intransitivas

sifão como sinédoque

 

do outro lado da diatriabe

pestanas ósseas, pálpebras brancas

catracas e pêndulos para respostas

pistons a reboque do id

maravilhamentos de ferro inconstante

 

 

veem-se marques brancos

pinos de canícula bem à mostra

os meios-dias dos juízos finais desolados

e a cor selvagem de um poema

sendo talhado na página.

Murilo Gun

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