a um ocaso cujo escarlate perdura num vaso em Creta.
para os ridículos literários, artísticos,
sociais e políticos do nosso tempo.
“um homem pode viver três dias sem pão
mas não sobrevive um dia sequer sem poesia”
Baudelaire
“o sulco do arado de Cain
o sereno na grama do paraíso
os hexagramas que um imperador descobriu
na carcaça de uma tartaruga sagrada
as águas que não sabem que são o Ganges
o peso de uma rosa em Persépolis
o último sonho de Shakespeare”. Borges
“o gradil de um jardim junto ao ocaso”. Borges
“e o dia é um duvidoso labirinto”. Borges
“Talvez a nuvem seja não menos vã
do que o homem que a olha na manhã.” Borges
A POESIA
A poesia expõe a medula da palavra
extrai da sílaba sua luz óssea
o fêmur de cada vocábulo fratura
para sua físsil nuance multiplicar
a clavícula de cada vogal, o músculo verbal a poesia
na bandeja da página coloca
mesa de cirurgia filológica
às sombras, às claras, o que seja
ela o faz por piedade a Hermes
o condutor do sentido órfico e da musa
que enlouquece poetas e os desvia do sentimento sentido.
A poesia fornica com a essência vocabular, dicionárica
Chupa o sêmen do verbo, engole imo, é
Crépula e ímpeto de palavra desregrando-se
Adentra o hímen do significado, o lambe e ensaliva sempre.
Asfódelos florescem
do horto (úmido meandro secreto) da alma
como navalhas
escanhoando o céu do verbo
a deflorar espessa aura o falo
da palavra adentra
o hímen da página.
PELOS
Pelos castelos senhoras do limbo da Urbe vaguei
pelo segundo círculo da alma fugí
sanguíneo relâmpago clareiras do sangue lambeu
(as lesmas pétreas do fogo devotadas)
reluziram as trevas do espírito
pelos alfanjes da carne excitadas
o éter nu perambulou
pelas hiperbóreas narinas do Senhor
saio do fundo sono respiro o sôfrego
olho a mente estupefacta, o sentido enlouquecido
que através do verbo de mim se apossam
meadas intransitivas, fios de hiatos, hialinos lábios
de vasto vocábulo, néctar escuro escravocrata
golfo de âmago, geografias feridas me urdem
Campos de dores adentrei (?). Hospício de luz
manicômio do tempo, o que fiz? Sou vasilha
vaso de infinito acato com mácula e alínea
ou parágrafo que o poema redima. Sou odre
pleno da sede da passagem?
convulsa palavra arredonda a dor
eterna e alumínia que consome o poeta e leitor
estrépito do pranto que inunda ou inundia o canto
crótato de lamentações (à Laforgue ou Eliot)
lança-se do céu às cinzas do homem
escura e profana nabulosa varre
os sentidos já estabelecidos, a priori estampados
no espírito envergonhado (e sóbrio) da palavra
as normas do ser poema impestáveis
têm tênebras brancas, cortes de arturs pequenos
por isso basta à poesia que volte
à tona dessa náusea cotidiana e quebra
o estabelecimento falido da vérsica
que nos domina e doma a pena, restabeleça
o reino da palavra não ditada
pelos ditadoriais dicionários (de rimas lodo
e resmas de lesmas fônicas adquados a lado)
que pouse em ti leitora varonil
e pastora do verbo a vida filológico
não mais por um fio
(de Ariadnes ou aranhas esquecidas).
Ao entrar no infinito sentido feche
os olhos vivos que sem escrúpulos só veem
(o próprio escrúpulo), o dito preocupado
o índigo estampado no amarelo da alma
e vá ao além buscar o rosto do verme
beba em golfos sangues de fogo
e assim não escureçam menos os olhos
e mais o espírito (de claridade ferido).
Não tenha mais comiseração do pio
vença toda a inercia do ser
(essa força bursátil que nos amesquinha tanto)
Chague tudo que seja imóvel ou alheio humano
tudo o que não o aclarece do espesso
(pois escura é a superfície inútil da alma)
que é o ar vivo, ápeiron, nous, espírito
a vida ávida de insensação nova
o liame rude e falso de cada sentido abra
exponha a ridículo significados alvos
o halo da sílaba, o hiato vivo louve
veja seu imo caliginoso com olhos novos
o oco coração do homem avive novamente
sua lassa alma de palha ocalize
lenho vital e uivo dissimule numdissílabo.
VERBO DESAPARECER (DO SER)
O verbo desaparecer é humano.
Como sombra sonâmbula
corre em nossas veias, corroe
nossos espíritos ainda com carne.
Como nau milenar
o verbo desaparecer
singra nossas veias
sem parar até
que o êxtase morra
definhe o desejo de viver
e tudo se entregue ao escuro
de onde viemos à luz
flácida e provisória da vida
de um útero absurdo
a uma cova sem futuro
bruxelas sem confiança
Amsterdãs devolutos
não me tentam o poema.
Como velhas paredes
lugar de todos os geométricos carvões
dos muros brancos da vida
o grafite hínico escrito:
ser vais desaparecer
feito de carne sem perdão.
SITUAÇÕES
Todos os reios ósseos dos ácidos.
Todos os voos do eco
secreto
do egos coevos voos
das folhas do silêncio
cúmplice
de sombras que gritam (uivos de treva)
de árvores solares clorofilando
o discurso lento da tarde
que ensilha o sol e o leva
ao ocidente.
Nos espelhos dos arquivos dos
lascivos céus guardo partituras
dos coros de anjo.
Cujas vozes submersas
nos aquícios de Deus tinem
nos ouvidos bemaventurados
nos oiças dos escolhidos retinem
como esporas nos estribos.
DE BISAVÔ, MORTE, SOLICÓQUIO
Meu bisavô (pai de Manuel Florentino Corrêa de Araújo)
criara moendas para escravos rebeldes
a mecânica invenção mortal fora um sucesso
sem igual nos arredores agrestinos
uma mangueira branca de bom diâmetro
lavava o sangue em segundos
e os porcos se beneficiavam da lavagem
de cérebro, ossos e mantas de carne amassadas humana
além de miúdos moídos espalhados no chiqueiro
a produtividade da pocilga dava pulos.
O melhor efeito da moenda de escravos
ouvia-se no curral dos bacurins: rugidos satisfeitos
alegria geral de todo o bacurinato do agreste.
Nutre o tempo a morte
que é uma forma dele passar pelo rosto.
Ao tempo apetece sulcos fundos na face
gretas e pântanos negros no rosto, rugas céleres
agruras da cútis antes tão bela, logo pelame desabando.
Ele, o outro, soliloquiou para si outro.
DE ROSTO, FAXINA, MALFEITO E MULHER
Rostos arruinados, pavilhões enfermos
grades delirando, asilos velhos, velhos puídos
caindo aos pedaços pobres: a vida inválida.
Fiz faxina no cérebro
(como Dilma nos ministros estradeiros)
tirei tudo o que não prestava
excessos da bagagem retórica
tudo que arruinasse o texto da vida
e pus (todo o fel e panarício
administrativo federal de meu miolo)
nauseabundo unguento no papel
em forma de prosa ou vômito.
De mulher para mulher:
silicone seio
bunda turbine e pronto.
Haja macho a rondar-te o corpo
amaravilhado, intenso
como urubu a cadáver novo.
Todos os pactos do ocaso cumpro
detidamente.
Códigos fervilhando menoscabo.
Os intestinos do labirinto penetro
e seus líbios (mordo com mandíbula de pedra)
a prata ferida de seus meandros)
seus dentes de sombra adentro
impune às claras.
Do estribo cerâmico dos búzios extraio
Conchas de canções e celofane de musgo
Combustíveis profundos, partituras
De eras paridas, grafites ecumênicos
E dias incendiados de duradoura sombra.
Na treva crua, na terna infiel
cravo meu nome, minha anônima sina
do hálito repulsivo e distante das estrelas
(me) alimento (o poema).
Rondam-me dúbias verdades, ordens de discórdia, pomos entristecidos, teias oblongas, cavilosas quelíceras encinerações do suores, lágrimas sobre ácidos, máscaras derramando-se jorro de rios cativos encapsulados nas pálpebras do absurdo correm como cavalos nos disparados paramos
Jarro de rijas horas, ramalhetes de crônidas mulheres nas retinas do tempo, esse outro rio do trânsito das veias, encerradas devotas horas peninsulares, messes de instantes sem ventre.
Vastam-me, opróbrios e astúcias esferas ubíquas, purgatórios brincos, sensibilidades úmidas me seivam anseios de naufrágios, idealidades turvas, comícios e tundras
insultam-me.
Orne-me de desventuras, apegos, gozos inúteis
seminários óbvios, mórbidos dias, tenazes de sílabas
bílis e óblos de rapaces carontes
destroçando-me a alma raízes impotentes.
Ato-me a ti sem peias ou duradouras sereias, mastros
recolho na alma, amarram-me certezas, visões iluminanem os olhos
encantam-me o silêncio e a nudez que me dás.
No meio do caminho desta vida selva
e escura concedo o rosto, à átimo que o assalte
à pátina que o contemple como puma no limiar da garganta
nas dádivas
de minhas retinas fatigadas encontro-me
supremo e puro serviçal, das musas e do assombro.
No meio da vida o caminho salva (margem do meio)
A senda palmilhada pela palavra
(As panteras dadivosas de tua alma
os linces habitados por teus olhos
engrenados na página)
o amotinado verso que da pena salta, a rebelada tinta
que assalta a lauda (e cria a mancha da imaginação)
o espírito da palavra congregam-se no poema.
O rosto lego a quem lamente ou encante a quem o seduza ou mascare como equimose ou nódoa lenta
que o ácido da hora comemora.
A quem o modele ou torture
com perícia de silicone e fácil alicate.
Concedo meu rosto ao pássaro ou à agua
ao porvir da cútis (que começa na botulina).
Ao tempo lavrador, ao sulco das horas, ao trânsito dedico
e a anjos violados oferto o rosto mudo e casto.
Ao cansaço não o nego (o rosto)
nem ao faminto remorso que esfaqueia lembranças
dilacera peras, exibe desesperos, macias maçãs do peito amasso
e tudo que acosse o rosto nas duvidosas e mundanas manhã
da vida dedicada ao ofício de não ser.
Recuso o rosto a gesto que Albergue a morte. No meio do caminho desta vida selva servada treva
nego o rosto e a pedra. Ao jângal (e dunas moventes)
concedo a alma íntegra.
Me dispo das ervas, imerjo
nas celas, vórtices, sumos das águas-mães liberto.
Vital Corrêa de Araújo
À ÚLTIMA LEITORA
(o grão morre)
No abismo está o resplendor
herança do preclaro
espólio da luz escrava do olho
Labirintos cegos de íris escura
fechados como pápebra de treva
caminhos da vida, rumos à morte.
A noite segue cegamente
estradas expressas vicinais veias
das avenidas e vielas da vida
pois não tem nada a perder ou urdir
sabe que no fim da rua do caminho
da vereda da pradaria
serás dela intensamente
querida (ou coitada) leitora.