03
Dom, Ago

Poemas
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a um ocaso cujo escarlate perdura num vaso em Creta.

 

para os ridículos literários, artísticos,

sociais e políticos do nosso tempo.

 

“um homem pode viver três dias sem pão

mas não sobrevive um dia sequer sem poesia”

Baudelaire

 

 

 

“o sulco do arado de Cain

o sereno na grama do paraíso

os hexagramas que um imperador descobriu

na carcaça de uma tartaruga sagrada

as águas que não sabem que são o Ganges

o peso de uma rosa em Persépolis

o último sonho de Shakespeare”. Borges

 

“o gradil de um jardim junto ao ocaso”. Borges

 

“e o dia é um duvidoso labirinto”. Borges

 

“Talvez a nuvem seja não menos vã

do que o homem que a olha  na manhã.” Borges

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A POESIA

A poesia expõe a medula da palavra

extrai da sílaba sua luz óssea

o fêmur de cada vocábulo fratura

para sua físsil nuance multiplicar

a clavícula de cada vogal, o músculo verbal a poesia

na bandeja da página coloca

mesa de cirurgia filológica

às sombras, às claras, o que seja

ela o faz por piedade a Hermes

o condutor do sentido órfico e da musa

que enlouquece poetas e os desvia do sentimento sentido.

 

A poesia fornica com a essência vocabular, dicionárica

Chupa o sêmen do verbo, engole imo, é

Crépula e ímpeto de palavra desregrando-se

Adentra o hímen do significado, o lambe e ensaliva sempre.

 

 

Asfódelos florescem

do horto (úmido meandro secreto) da alma

como navalhas

escanhoando o céu do verbo

a deflorar espessa aura o falo

da palavra adentra

o hímen da página.

 

PELOS

Pelos castelos senhoras do limbo da Urbe vaguei

pelo segundo círculo da alma fugí

sanguíneo relâmpago clareiras do sangue lambeu

(as lesmas pétreas do fogo devotadas)

reluziram as trevas do espírito

pelos alfanjes da carne excitadas

o éter nu perambulou

pelas hiperbóreas narinas do Senhor

saio do fundo sono respiro o sôfrego

olho a mente estupefacta, o sentido enlouquecido

que através do verbo de mim se apossam

meadas intransitivas, fios de hiatos, hialinos lábios

de vasto vocábulo, néctar escuro escravocrata

golfo de âmago, geografias feridas me urdem

 

 

Campos de dores adentrei (?). Hospício de luz

manicômio do tempo, o que fiz? Sou vasilha

vaso de infinito acato com mácula e alínea

ou parágrafo que o poema redima. Sou odre

pleno da sede da passagem?

convulsa palavra arredonda a dor

eterna e alumínia que consome o poeta e leitor

estrépito do pranto que inunda ou inundia o canto

crótato de lamentações (à Laforgue ou Eliot)

lança-se do céu às cinzas do homem

escura e profana nabulosa varre

os sentidos já estabelecidos, a priori estampados

no espírito envergonhado (e sóbrio) da palavra

as normas do ser poema impestáveis

 

têm tênebras brancas, cortes de arturs pequenos

por isso basta à poesia que volte

à tona dessa náusea cotidiana e quebra

o estabelecimento falido da vérsica

que nos domina e doma a pena, restabeleça

o reino da palavra não ditada

pelos ditadoriais dicionários (de rimas lodo

e resmas de lesmas fônicas adquados a lado)

que pouse em ti leitora varonil

e pastora do verbo a vida filológico

não mais por um fio

(de Ariadnes ou aranhas esquecidas).

 

Ao entrar no infinito sentido feche

os olhos vivos que sem escrúpulos só veem

(o próprio escrúpulo), o dito preocupado

o índigo estampado no amarelo da alma

e vá ao além buscar o rosto do verme

beba em golfos sangues de fogo

 

 

e assim não escureçam menos os olhos

e mais o espírito (de claridade ferido).

 

 

Não tenha mais comiseração do pio

vença toda a inercia do ser

(essa força bursátil que nos amesquinha tanto)

Chague tudo que seja imóvel ou alheio humano

tudo o que não o aclarece do espesso

(pois escura é a superfície inútil da alma)

 

 

 

que é o ar vivo, ápeiron, nous, espírito

a vida ávida de insensação nova

o liame rude e falso de cada sentido abra

exponha a ridículo significados alvos

o halo da sílaba, o hiato vivo louve

veja seu imo caliginoso com olhos novos

o oco coração do homem avive novamente

sua lassa alma de palha ocalize

lenho vital e uivo dissimule numdissílabo.

 

VERBO DESAPARECER (DO SER)

O verbo desaparecer é humano.

Como sombra sonâmbula

corre em nossas veias, corroe

nossos espíritos ainda com carne.

 

 

Como nau milenar

o verbo desaparecer

singra nossas veias

sem parar até

que o êxtase morra

definhe o desejo de viver

e tudo se entregue ao escuro

de onde viemos à luz

flácida e provisória da vida

de um útero absurdo

a uma cova sem futuro

bruxelas sem confiança

Amsterdãs devolutos

não me tentam o poema.

 

Como velhas paredes

lugar de todos os geométricos carvões

dos muros brancos da vida

o grafite hínico escrito:

 

ser vais desaparecer

feito de carne sem perdão.

 

SITUAÇÕES

Todos os reios ósseos dos ácidos.

Todos os voos do eco

secreto

do egos coevos voos

das folhas do silêncio

cúmplice

de sombras que gritam (uivos de treva)

de árvores solares clorofilando

o discurso lento da tarde

que ensilha o sol e o leva

ao ocidente.

 

Nos espelhos dos arquivos dos

lascivos céus guardo partituras

dos coros de anjo.

 

Cujas vozes submersas

nos aquícios de Deus tinem

nos ouvidos bemaventurados

nos oiças dos escolhidos retinem

como esporas nos estribos.

 

DE BISAVÔ, MORTE, SOLICÓQUIO

Meu bisavô (pai de Manuel Florentino Corrêa de Araújo)

criara moendas para escravos rebeldes

a mecânica invenção mortal fora um sucesso

sem igual nos arredores agrestinos

uma mangueira branca de bom diâmetro

lavava o sangue em segundos

e os porcos se beneficiavam da lavagem

de cérebro, ossos e mantas de carne amassadas humana

além de miúdos moídos espalhados no chiqueiro

a produtividade da pocilga dava pulos.

O melhor efeito da moenda de escravos

ouvia-se no curral dos bacurins: rugidos satisfeitos

alegria geral de todo o bacurinato do agreste.

 

 

Nutre o tempo a morte

que é uma forma dele passar pelo rosto.

 

 

Ao tempo apetece sulcos fundos na face

gretas e pântanos negros no rosto, rugas céleres

agruras da cútis antes tão bela, logo pelame desabando.

 

 

Ele, o outro, soliloquiou para si outro.

 

DE ROSTO, FAXINA, MALFEITO E MULHER

Rostos arruinados, pavilhões enfermos

grades delirando, asilos velhos, velhos puídos

caindo aos pedaços pobres: a vida inválida.

 

 

Fiz faxina no cérebro

(como Dilma nos ministros estradeiros)

tirei tudo o que não prestava

excessos da bagagem retórica

tudo que arruinasse o texto da vida

e pus (todo o fel e panarício

administrativo federal de meu miolo)

nauseabundo unguento no papel

em forma de prosa ou vômito.

 

 

De mulher para mulher:

silicone seio

bunda turbine e pronto.

Haja macho a rondar-te o corpo

amaravilhado, intenso

como urubu a cadáver novo.

 

 

Todos os pactos do ocaso cumpro

detidamente.

 

 

Códigos fervilhando menoscabo.

 

 

Os intestinos do labirinto penetro

e seus líbios (mordo com mandíbula de pedra)

a prata ferida de seus meandros)

seus dentes de sombra adentro

impune às claras.

 

 

Do estribo cerâmico dos búzios extraio

Conchas de canções e celofane de musgo

Combustíveis profundos, partituras

De eras paridas, grafites ecumênicos

E dias incendiados de duradoura sombra.

 

 

Na treva crua, na terna infiel

cravo meu nome, minha anônima sina

do hálito repulsivo e distante das estrelas

(me) alimento (o poema).

 

 

Rondam-me dúbias verdades, ordens de discórdia, pomos entristecidos, teias oblongas, cavilosas quelíceras encinerações do suores, lágrimas sobre ácidos, máscaras derramando-se jorro de rios cativos encapsulados nas pálpebras do absurdo correm como cavalos nos disparados paramos

Jarro de rijas horas, ramalhetes de crônidas mulheres nas retinas do tempo, esse outro rio do trânsito das veias, encerradas devotas horas peninsulares, messes de instantes sem ventre.

 

Vastam-me, opróbrios e astúcias esferas ubíquas, purgatórios brincos, sensibilidades úmidas me seivam anseios de naufrágios, idealidades turvas, comícios e tundras

insultam-me.

 

Orne-me de desventuras, apegos, gozos inúteis

seminários óbvios, mórbidos dias, tenazes de sílabas

bílis e óblos de rapaces carontes

destroçando-me a alma raízes impotentes.

 

Ato-me a ti sem peias ou duradouras sereias, mastros

recolho na alma, amarram-me certezas, visões iluminanem os olhos

encantam-me o silêncio e a nudez que me dás.

 

 

No meio do caminho desta vida selva

e escura concedo o rosto, à átimo que o assalte

à pátina que o contemple como puma no limiar da garganta

nas dádivas

de minhas retinas fatigadas encontro-me

supremo e puro serviçal, das musas e do assombro.

 

No meio da vida o caminho salva (margem do meio)

A senda palmilhada pela palavra

(As panteras dadivosas de tua alma

os linces habitados por teus olhos

engrenados na página)

o amotinado verso que da pena salta, a rebelada tinta

que assalta a lauda (e cria a mancha da imaginação)

o espírito da palavra congregam-se no poema.

 

O rosto lego a quem lamente ou encante a quem o seduza ou mascare como equimose ou nódoa lenta

que o ácido da hora comemora.

A quem o modele ou torture

com perícia de silicone e fácil alicate.

 

Concedo meu rosto ao pássaro ou à agua

ao porvir da cútis (que começa na botulina).

Ao tempo lavrador, ao sulco das horas, ao trânsito dedico

e a anjos violados oferto o rosto mudo e casto.

 

 

Ao cansaço não o nego (o rosto)

nem ao faminto remorso que esfaqueia lembranças

dilacera peras, exibe desesperos, macias maçãs do peito amasso

e tudo que acosse o rosto nas duvidosas e mundanas manhã

da vida dedicada ao ofício de não ser.

 

 

Recuso o rosto a gesto que Albergue a morte. No meio do caminho desta vida selva servada treva

nego o rosto e a pedra. Ao jângal (e dunas moventes)

concedo a alma íntegra.

 

 

Me dispo das ervas, imerjo

nas celas, vórtices, sumos das águas-mães liberto.

 

Vital Corrêa de Araújo

 

À ÚLTIMA LEITORA

(o grão morre)

No abismo está o resplendor

herança do preclaro

espólio da luz escrava do olho

 

 

Labirintos cegos de íris escura

fechados como  pápebra de treva

caminhos da vida, rumos à morte.

 

 

A noite segue cegamente

estradas expressas vicinais veias

das avenidas e vielas da vida

pois não tem nada a perder ou urdir

sabe que no fim da rua do caminho

da vereda da pradaria

serás dela intensamente

querida (ou coitada) leitora.

Murilo Gun

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