Recife, cidade adiada
submersa em sua mágoa
espaço sem corpo
só pedra, rio e goivo
trapo de sono
ventre de cio
plumas de cães sorrindo
lábios de brisa e lâmpada
de lua bebendo
capibaríbica voragem
apocalipses aquáticos
beirando o desespero das margens
água de ninguém
vento cangaceiro em congresso
na várzea do Capibaribe
manguezal Cardozo
enquanto caranguejo beija lama
de Chico balança a grama, o canto
titubeia arco lírico das pontes
louco pêndulo
úmido encarcerado no torpor
emparedadas ruas pelos rios
encarcerado sol na aurora das águas
esgotada cútis
que edis conspucam
sucessivamente o voto
esconde o vício
escande o viço
das cadelas que enxmeiam
a rua da Palma
sabe a luxúria e a
de latim decora o frevo do espírito
a lanheza da cidade bifurcada no vestígio
o bulício das abelhas no pão doce do Pátio
de São Pedro dos Clérigos bêbados e enamorados
parece céu na azáfama da Criação
a parafernália do Senhor espalhada no chão
do limbo entre ervilhas e cebolas divinas
a tarde debruçada sobre
pontes de areias movediças e santas austeras
fragmentos da manhã despedaçada
raios de sol pugitivos
do útero do ocidente
buscando devoto abrigo
da cruz do Patrão à Igreja dos Martírios
o quem-me-quer da aurora
(mulher vestida de sol)
rua em que a imagem submersa
dos edifícios se avessa
e peixes habitam vestíbulos
como no poema que João Marques
cravou da sacada do Plaza que olha a Ponte
a reexistir o Porto
e sua sombra visitadora
das estivas e dos amantes
que a vertigem busque precipício
e o poema devore solstícios
enquanto urra
o muro de arrimo da solidão
da moça, emparedada em rua já velha
(mas não tanto como aquela
que nasce na Estação Central
e se derrama no Pátio da Santa Cruz
(que me proteja
incursão por espaços tão bravos)
cidade latina, paço de febres
colo de fedentina, sítio e sarjeta
onde atirar ídolos
onde abeirar-se do delírio
e conjugar espantos quando
desatino dormir com marquises
Recife medita e mergulha
(alinhava e palmilha)
no dilúvio do amor sem data
que trastes filhos o dedicam
a cidade reza
duas vezes ao dia
rosário de dores e rebeldia
nas tantas igrejas
e vária sacristia
que a magnificam
e os nus extasiam
beije adro que fiéis pisoteiam
com orações de milho ajoelho
a boca carpindo vaticínios
e preces de luz sem alumínio
sua saliva demore
nas pedras da avenida
Conde da Boa Vista
(em minha veia ninja Recife urra
viçam suas avenidas adúlteras
sombras iluminam nome, regaço
e território da alma urbana
depauperada pela violência
e pela propaganda).
Recife marítima e imperturbável
parede e meia com Olinda
a colecionar fantasmas (e levezas)
na Cruz do Patrão (vultos rezam
e dão a mão ao mar)
e na mandala do Marco Zero
(que erótico Brennand colinizou
com falos monumentais (glandes ítalas
meninos arrogantes e vitais)
Cícero procura noturna saída
do labirinto pictórico, da pitagórica pedra
retórica de cores e formas subversivas
que sua visão do mundo cravou no chão da vida
eriçados arranha-céus de pedra (césarlealina)
pontes verticais para o infinito do arrecife apontadas
Recife que mesura o futuro
da palma da mão pluvial
da ponte Maurício de Nassau vejo
futuro passado, a passado (batavo ainda)
perambulando pelos lusos dias
e da barcaça de peixes olhando o presente fisjo
poema que cravo na página
como martírio de palavras
coroa que Mauro Mota deixou
viva na Rua do Imperador.
LÂMPADA DE HOLDERLIM
(Lâmpada de Holderlin desnuda a lauda
ilumina o ínvio, prescuta enigma
revolver de Breton rende o poema)
Lâmpada de argila
lúmen de abelha
Candeia de brisa
itinerário de água
Curso de sal na ferida
fratura na alma fendida
Seda de sargaço
branco bordado da maré
Viola de lua
bandolim de ameixa
Nuance de cansaço
retrato da idade
Tempo demolido
vida reconquistada
A hora Tíutere
torna homem cordão
Cavalo marinho e seu lento
Tropel submerso
Poema cavalga ar marítimo
tropel das espumas a face de Deus
ondas parecem escamas brancas
de peixes enovelados com brilho pálido de estrelas
leveza do verso busca lustre de areia
rima lua com preamar de aveia
avessa viragem, clamor estuprado
indício de praça cheia, velho coração do povo
(vá à branca luz do sal que arreja
Peregrinos das calçadas de Boa Viagem
Leitora devoradora que linha a linha especula
com cútis da palavra e se apega sempre
à intranscedente passagem do verso presa
fácil da página, do seu sal negro e branca voragem)
leitora astuta aniquila romantismos apara
rebarbas condoreiras do campo da palavra poesia
lâmpada de Holderlin incandeia
tudo o que proclame o poema
rumor a paquiderme grassa
leito deserto da alma
grito e jângal habitam
estrofe visionária
lua inclinada sobre pátios e juncos
filtro da lua bêbado, escumilha de palavra
casulos de pedra chorando
gerúndios abandonados
no cadinho das sinédoques poeta
transforma figuras do ouro em pedra
viços em moças
seios em postes
fôlego das palavras cobrando
rígidos caminhos para extravazar delírios
solidão de neon e catraca
harmonia de amar estátua
cinza movediça e alada
no cotonifício do mar baila
do ubre da palavra extraio
leite para Via Láctea
Cio de Penélope é mortal para Ulisses
que se distancia de Ítaca
fruto e tugúrio natal
quanto mais singra sem rumo
pelos mares infrutíferos
da odisséia de sua alma
périplo em torno de si mesmo
(que o ônfalo do verbo declara
e a canina infidelidade de Penélope estraga).
(manso e crédulo
me conformo
com a impotência da vida
mas não creio no verbo
vem me aventuro no sexo
que freme das coisas).
VERDADES ÍNTIMAS
O poeta moderno faz com palavras
o que V. sonha e não sabe
sente e nega
lhe fuzila com o verbo
todo ímpeto de voragem da palavra
em V. metralha. Porta moderno
esculhimba com sua alma (pobre e mortal).
Procuro fazer na poesia
o que provável leitor deteste.
Meu leitor é improvável.
Dessa água impura da poesia moderna
beberei: diga
Leitor da poesia moderna ainda não existe.
Com as exceções da regra.
Quando desvairado leitor olhos lança
sobre a página que garranchos de poesia arranham
rumor de ruínas invade olhos e narinas
estepes vespertinas são estripadas
sarjetas sonham com céu aborto
velas envenenadas pulsam, cárceres azuis gritam
este poema é louco. Parem, parem esta pena
que pare na página virgem
palavras estripulando, algarravias, algas ruivas
algaravias, águas ávidas de verbal dilúvio.
POEMA
(Ao Rimbaldiano R. Generoso)
Barro trombeteando (cântico sáfaro)
cantiga de argila e pássaro
tudo se faz sombra
e aquário ardente
no lar Rimbaud do verbo
de cinza e sarça
hino e lamento
treva e iluminura
livro de horas espaçadas.
Rimbaud brandindo sua dor
pelos subúrbios e ravinas do verbo
pelas veias do inóspito sentido aberto
(cujo canto use para compreender constelações)
se prepara para embate
com voragem prélio do espírito
que de sua pena se desprende
brancos da página inundando
com tintas deletérias esfingéticas sílabas e êmbolos
com manchas de palavras
e figuras de enigmas ingratos.
RELÂMPAGO AMOTINADO
Relâmpagos amotinados sobre tardes reuniram-se
em torno de folhas de relva e vidro
instalaram seu concílio chamejante
congresso proibido a escuros e ventos
no páramo apocalíptico plantaram suas bandeiras
de fulgor e punhal, de lampejo e aljava
mastreadas de raios e partituras de trovão, pulmões de treva
(salsas assustadas buscaram tugúrio de formigas)
olhos das estrelas secretas piscaram
ante pálpebras sublevadas do relâmpago
mares tremeram, bosques se crucificaram
claridade inundou mármores e dores
incendiou lápides, nomes, golfos
de esperanças abriram-se dos vespertinos cemitérios
intermitentes fogos suplantaram olhos de estrelas
pupilas assombrosas enveredaram pelos estames das rosas
idades morreram, dos paiós brotaram
amorosos cogumelos, magnólias, terebintos
estercos iluminaram caves do infecundo
adobe tornou-se adubo, dúvidas certezas
floresceram acenos, sargaços, tulipas, coivaras despidas
ditames do coração párocos apregoaram do vazio
com volúpia com que fé os penetra, avassala
ou estupra eles transformaram hóstias em ditirambos
da cruz das orquídeas, do orgasmo das donzelas
cravaram sacrifício, amamentaram relâmpagos
que sobre tardes amotinadas desabaram.
Relâmpagos clarearam luas e poemas: náusea de palavras.
Enquanto relâmpago ovula luzes
germinaram narinas sobre aroma das fímbrias
sobre brancura das dálias, pupila dos lírios
tombaram sombras, gritos tombaram
amamentando o escuro seio cavo
harpas estrangularam salgueiros
cheiros da madressilva recrudesceram
enquanto relâmpago copulava com virgens sombras de ervilhas
no leito botânico do meio-dia
entre incêndios farmacêuticos da manhã
pendurada no apogeu do sol falso
e dos trêmulos e vermelhos canteiros
do convento anal mêntruo da aurora espalhara rosas
no fumegante jardim (em que relâmpagos amotinaram-se).
O que há de novo sob o sol
a não ser infâmia e falência
dos múltiplos sentidos da vida
(que repletam veias de uivos vivos)
que não seja fuligem (e mormaço viril)
que não seja pó (fumo e sombra de fumo)
ou anúncio de desespero azul?
Ancestrais empobrecendo
emblemas enferrujados
baronatos demolidos
escâncaras nuas
condados demitidos
províncias derrotadas (a la Borges cruel)
fastos pálidos
retortas nuas
lamúria cavalgando poldros de lamento
centauros em colóquios violentos com unicórnios gagos
corcéis e balé de sêmens no palco do útero encenando tropelias
projéteis de sumos disparados
violetas lápides violando ossos de dádivas
devolvidas a vasos sem lágrimas
flores de ureia brotando do escombros dos astros
e das cloacas do sangue principesco
empíreos abordados, botânicas estupradas
passado tímpano ensurdecendo futuro
diatribes assolando êmbolos, estribos cavalgando hinos
ossos das vozes sedas dos ecos
canastras anunciando novo sol.
CALE-SE ELÊUSIS
Assisto cálice de Elêusis
beber trago de abismo
órfico aborto deletar o instinto
Baltazar cego e estrelas fugindo
grangrena das lágrimas aviltando olhos
engrenagem da luz aberta
como porta de bordel francês
olhar de ventre impuro
silêncio estraçalhado por gritos plúmbeos
atanor resfolegando como monturo
metano digladiando com resíduos úmidos
lixos hospitalares hospitaleiros
ungüentos sufocados no plástico das camisas
que Vênus vomitou da lixeira da vida.
Assisto crepúsculo do logos
e núncio ou oráculo montanhoso
(com sua trombeta de alumínio e estanho nu)
clamar por novo apocalipse
comprimido no Livro de Mallarmé
(páginas onde Deus joga dados com o acaso).
A volubilidade é uma noite na veia
violentas colinas perfumam céu de abril
flauta que Pã abandonou decifra som de ossos e divos úmeros
que de minha estirpe restou como legado ao chão
que nos acatou (e a nossos amaros amores).
A barca da sombra transporta o sopro
para longe da alma, para perto da carne
perto do inferno que vive das veias sem viço
baralho dos guindastes une-se à sombra de gruas avaras
de que são feitas nossas almas e ruas do corpo
contêineres de alento desembarcam
de nossas vidas a cada hora do mundo ínfero (não dos homens)
naipes da sina estão abertos
cartas e mangas pertencem às mãos
(que algum deus nos deu com dedos do gatilho
sem espoleta de perdão).
A disponibilidade da noite é espúria
e o branco ar de tarde se contagia
do mênstruo do ocaso e vomita
elétrons e vírus no regaço noturno
na taça do íntimo do relógio do coração
que bate como escombros no chão.
POEMA ÉBRIO
Navio de bandeira brusca
súbito golfo do água funda na pele do mar
indomado
e branco fulgor despede da âncora
aprisionada
atraca nos violentos cais
onde veloria-se a noite eterna
feérica e carcerária.
Desembarca sua carga de cobalto
e guindastes feridos
enquanto o baralho das águas
abre-se da mesa do oceano
para o coração humano
casa maldita, parto sepulto.
SILÊNCIO E LASTRO
(cio de pasto)
Silêncio impassível, quase sólido
ultrapassando pausas
e brancos sinos parados
ultrapassando
colhendo pétalas de gerúndios e amapolas lentas
colhendo da flor do grito
cálice escuro, lume findo
pólens tímidos
cios cinzentos, viços de abelha ilusos
todos os limites
do rumor e da pálpebra que soa
do sussurro da ofegante uva
do estalicido e da traqueia do hino
vencidos como prazo sem ventre
data esquecida
num desvão do tempo (num vão de trapo da hora azada) num tampo
da gaveta da escrivaninha do destino
num lavabo lúbrico da madrugada suja
numa bacia de hóstias indigestas
onde lua venha beber tristeza e desprezo
silêncio impassível e célere
excitado como maçã do éden
intransponível muralha em que estrondo desaba
o súbito perde ímpeto
inclinado vaso carnívoro íntimo
do úmido e do imóvel, do vago amigo cúbico
silêncio que se acumula no clamor
silêncio imprescritível lavrado antes da pausa do poema
silêncio culinário, escravocrata do gemido
silêncio vasto, físico, lúgubre da eternidade
do vazio dos temperos intransitivos
da vilania do infinito
silêncio impotente, grito ausente
de nervos velozes e escuro lipídio
que aminoácidos do esôfago
e proteína do nítido não agridem
usina de uivos latindo na alma não demole
silêncio de pássaros mudos
e ecos proibidos
por decretos tíbios
de assembleias escuras
hábito de ser humano.
CONFISSÃO(5)
Bebi todas as mulheres
embriaguei todos os odres
assisti boda da treva com luz cega
testemunhei desamor
e armadilha da alma para subjugar o corpo
descobri quase ao morrer quando
aurora me negou aos olhos sua luz pálida
incansável logro da vida vivi
como sombra de um trapo
abdiquei do sol pelo alento da lua
domesticação da alma
rua perdida do mundo buscando poeta anônimo.
Como bêbados, namorados e mendigos
de uma palavra ou um beijo os poetas.
GESTO CONTRA
Ergo minha mão de relva
meu olhar vinícola
gestos de girassois
ao céu impiedoso (do Recife)
(que não nos protege)
espaço para o pássaro perece
posturas municipais enjaulam o ovo (e o novo)
que empalidece como sangue extraviado
árvores se tornam cinzas longas
fumo esbosca tréguas
carece de amor indomado o mundo
sopro se faz pó (mas não pó enamorado)
que vento sepulta
tudo se resume na palavra usura.
Ó NIRVANAS (VISÕES ABÚLICAS)
a Amy Dabliú
Vi Hendrix endemoniado e supremo
Incinerando a guitarra
Num estrado ardente do mundo
pirados sons subindo a céus ósseos
numa cena dum palco
incendiado de aplausos.
Vi o corpo de Amy vestido de bramante vermelho
entrando num caveirão londrino
a canção num caixão fechada
féretro da voz em surda procissão
casa do vinho despida da santa embriaguez
canto enterrado com a ilusão.
Vi Hendrix destruindo o som juntando
destroços da guitarra na cova do coração.
Ele experimentou todos os sons selvagens
todas as sílabas de sua guitarra grená.
“Todos os amanhãs troco
por um único dia do passado”
J. Joplin
A massa cefálica de Cobain
tinha cor de sonata
espessa como sua música louca.
23.07.2011
ÂNGULO DE VISÃO DO EGO
Os ângulos escusos do mundo moderno
(este que corre como rio em minhas veias
com trombos urbanos e cangas nos ombros)
me desarmam o gesto aritmético
vertiginoso do humano roe-me
por dentro da alma (rato íntimo) pelas margens esquerdas do espírito
quando tudo falsifica o dia
(e anos capricornianos se dissolvem
como névoa após inverno)
enquanto metais dormem sonos metalúrgicos
(sonhos de pedra e tório erguem-se)
e gusas do atanor se derramam irmanadas com cal
e os veículos da Jequitinhonha destroçam semáforos
atravessam a noite, medula da madrugada moem
corpo suspenso como sinos do cego trânsito
em transe para outra vida sem limites
cadáveres aéreos plantados na campina dos circos
até que a gratuidade do sono me devore inteiro
comprimindo-me a mente
e à insânia que reste eu devote o abandono
ser a que me entrego nu como o início
à definitiva voragem, ao útero final me devoto
(desvairado servo da fome das horas, da usura dos evos
em passos largos caminhando para definitiva
devoração de mim mesmo
vital deglutição
prenhe de ácidos e decúbites).
Não só às paredes confesso.
SANGRO (A CÉU ABORTO)
Sangro pela lamentável aurora urbana
oxidada de dólar e trapo (de nojo e víscera fermentada)
de pressa virulenta alimentada
acicatam-na agonia senil, dor operária
ilusa vertigem do horizonte negado
a utopias rurais, olhos marejados de vergonha
e diesel falsificado.
Amo uivo dos trastes que transitam
(dos trâmites que me infelicitam)
nas avenidas indefinidas de mim, nos infinitos
desvão das errantes ruas do Recife
de minha indevoção, rios do sem fim e da poesia.
Avalio dano da manhã nos olhos portuários.
Pesar da hora que sol tempera (com sal de asfalto).
A cidade anônima violeta dói
na alma como cravo do pulso de Jesus.
Polvorienta, amestrada, cinzento ama desastre, incúria se salva.
Vegeto como cálamo infeliz (a que foi negado traço).
Suplico à sombra refrigério e redenção da máscara.
Peço vênia à Dor.
Albergue-me hora desolada. Terra comburida
lobo das veias salve-me.
Solidão para espírito tão sublime.
Noite etérea, não terrena. Overdose
de verdade na veia.
22.09.2007.
VIR (A NÃO SER)
Vim do deserto cinza onde
sede floresce como beija-flor em ruína
na papoula cega (lenta morte de mim)
filósofa debruçada
sobre cão de palavras
sobre ossos de silêncio enlutado
sinos carnívoros, sons abstratos
(rentes aos rins de Ulisses fritando
do espeto de Polifemo a saída do mundo)
como fada mal-amada perdida
num brunido eneágono vim beber vida
em regatos cobertos por abortos e orquídeas
toquei herege manhã de Dioniso (deus danado)
com mão anônima, lábio trêmulo
quando cheguei da tarde (ao cais escuro
que meio-dia abandonou)
desolada da margem deserta do nada
de onde vim, para onde voo sem mim.
22.09.2007
SEM TÍTULO
Escura voz perfura cerne
invade alma, fagulha grassa
rompe tímpanos de pedra clara
se faz voo e canto de dor amanhecendo
no espaço parco
que deixaram ao pranto
reservaram ao pássaro
os que beberam do odre da claridade greda impávida
ébrios de alvorada
(dos bêbados banhados vítimas das chamas mais ímpias)
num dorso deserto de estrelas
tristeza pousa
borboleta bêbada
do desespero das asas marinhas
do vinho das ribeiras, próteses do eco em riste
viço morto, aspas rompidas
hífen enfermo dos parênteses brancos do limbo
trema amputado, til ferido, vida
ávida de ser, além de alento difícil porto alegre
chama e cais, âncora e ladainha do mar
num hiato de tempestade nau vazia (esdrúxula nave)
vagando como água viva ou plástico usado
oboé submerso, porto sepulto
ávida dor adia tua dádiva vida
de ser palavra num poema
de Esse Quasímodo
(não na Paris deteriorada de hoje
mas Roma rediviva).
VIAJEM
Viajei pela gnose (sozinho) sem guia
a não ser bússola do instinto
astrolábio do meu místico íntimo
e companheira dor (que a vida é)
percorri ângulos nada líricos
atravessei êmbolos e ermas bandeiras
defraldei suas sombras duvidosas
e espasmos de pano que vento provoca
corredores ímpios, cumeeiras santas
estendi a meus peregrinos pés
por íngremes e ascéticas sendas fui
velhos portulanos da alma guiaram
meus intrincados caminhos pela gnose
passei bem perto da eternidade
(trânsito de horas engarrafado
como sardinhas num regato)
Do lugar eternidade desvio
deveu-se a que ônibus que me viajou
não era da frota do infinito.
(Infinito, paralelo e irmão da eternidade, não
é meu amigo, ambos são reservados
filosóficos, sarcásticos, pastos
onde Deus não se demora).
“A morte é apenas recuo
do indeterminado diante de Deus”.
Artaud
De indeterminado deus
a morte é motivo
para recusá-lo.
DOENTE FILOSÓFICO
Estou com falta de ar:
chame Anaxímenes.
DOENTE HEPÁTICO ANTIGO
(num hospital de Mileto)
Sinto sede ardente
água, água:
acoda-me Tales.
Ir até além-sopro, abandonar
ribeiras do grito onde silêncio sede estagna
ir até pedra dentro do silêncio (bêbado)
encarnar vazio pleno
abortar o devido, o comedido, o exato
abortar o que seja
porque não pode mais não-ser o ser.
A puros do espírito desertar
(pois estão castrados do espúrio
de que se reveste o mundo).
Ladeiras para almas
que sonhem com viagem ao inferno
uma vez na vida (mas não a última)
estão bem lavadas
(brancas, prontas para a descida
– com forca e touca)
conforto escuro.
SEXO DOS ANJOS
(ANJOS SÃO MACHOS)
Pesquisas profundas e viscerais, estudos anátomo-angélicos minuciosos e precisas análises fisiológicas de anjos recuperados em escavações no céu, além de torsos, pistas bíblicas, achados arqueológicos, como esqueletos conservados de pré-anjos – do tempo fora do tempo em que Deus (nem o tempo criara ainda) ainda alquimista experimentava suas criaturas – levaram à descoberta sensacional (a própria NASA, além da CIA e da ex-KGB russa esteve envolvida nesse projeto global) de que os anjos têm sexo, sim. Não são assexuados, como se pensou por 2 mil anos.
Anjos são machos, têm barba, falo (não são bem dotados obviamente), são ébrios, exalam odor branco, alguns portam belos cavanhaques e, como são anjos, têm testículos cândidos.
São criaturas que deram (e dão) muito trabalho ao criador. Tanto que um dia Deus se esgotou. São lascivos, brincalhões (mesmo presepeiros), muito maleducados (o que é incrível, considerando-se a pedagogia divina), desobedientes, matreiros, inconvenientes, em suma capazes da maior armação célica, com efeitos terrenos; andam em má companhia (juntam-se a velhos demônios (muitos expulsos do inferno de tão rebeldes) para noitadas no universo, farras cósmicas que duram eternidades, às vezes; troçam de tudo, são barulhentos e cheios de tramoias, enfim, enchem a infinita paciência de Deus (que já não os suporta).
Quando estão baguçando muito no céu, Deus retira-se para o limbo ou vai para um refúgio secreto, perto do purgatório. Leva suas legiões bem comportadas. Toda a corte dos santos, concílios de papas mortos, assembléias de santas comandades por Maria.
Foram os anjos, pasmem, quem inventaram desfile de misses, só com biquíni, top less, sexo grupal, entre outras modalidades mais carnívoras, e filme pornô e revistas com mulheres nuas. Inspiraram o pessoal da Terra (terráqueos safados) para a pornografia global.
Os anjos foram (e são-no) os primeiros alcoólatras do paraíso. São viciados em óleo de amêndoa doce e suco de uva bem fermentada. Como uva e maçã são frutas preferenciais de Deus e por isso abundam no éden (florescendo divinamente em seus amplos e fecundos jardins), os anjos fazem a festa, tiram, extraem desses frutos edênicos todo o álcool possível e ingerem (copos e mais copos, e no Paraíso tem copo que chega a conter 3 litros). E se embriagam dia e noite. E, imaginem, cada dia do céu é infinito e cada noite eterna. Corre à boca pequena nos labirintos célicos que não foi nenhuma serpente mas uns anjos sujos que viciaram Adão e Eva no fruto probiido (eles, Adão e Eva, fazem vinagre de maçã bem forte e ingeriam com a mesma).
Quando Deus, cansado da baderna dos anjos, vai dormir, eles ficam farreando, fazendo altas orgias (sem trocadilho), baguçando o céu sem parar.
Deus, um dia em que não mais suportar tanta bebedeira e atos lascivos, é capaz de castrá-los.
PROJETO VITAL 10
Dou notícia de minhas atividades literárias no âmbito do PV 10, com um custo temporal de 3 anos. Inicialmente, quando deixei a presidência da União Brasileira de Escritores – UBE, reservei o ano 2009 para concluir a coletânea Palpo a quimera e o tremor (publicado em 2010) e preparar a 2ª edição de Só às paredes confesso (prêmio da Academia Pernambucana de Letras (publicada em 2009). O trabalho continuou, obras em progresso exigiam um ampliação do horizonte temporal estabelecido. De um ano, para dois, para três. 2009 a 2011. Em 2011, publiquei Ora pro nobis scania vabis e Ave sólida. Estão no prelo Bando de Mônadas, Crepúsculo do falo, Verbo de barro e A eternidade é inútil. No pré-prelo: Atanor, Lâmpada de Holderlin / Revólver de Breton, Platão expulsa poeta da República e A opúncia.
À direção do Centro Cultural Vital Corrêa de Araújo, encaminhei propósito de promover o lançamento de 10 livros de poemas em 2012. E iniciar o Projeto Vital 10 (2).