Este poema começa na página quatro.
As três primeiras (e a zero) perdi-as
quando transcrevia do borrador da alma escura
para o branco (quase angélico) do papel.
A consolação (havida?) gasta a verdade.
O improvável rasteja
ante qualquer impossível (ou possível?).
Na mesa legista minuciosa
(entre trâmites velhos
e abusados ritos vencidos
e burocráticos gestos)
cheias de aspas
e hífen interrogativos
ouvem-se (ou havem-se?)
só rasgos de seda
(da seda inusitada do hímen intacto).
Mas a seda
rasgada chora.
Porque todo constrangimento ri
(mesmo sendo inconstitucionalíssimo)
e qualquer lascívia é vera. Ou veda
fática, valorosa, pueril.
A desinteressada astúcia da leitora vence.
Porque a beleza é sempre bizarra. (Não é difícil).
E nasce de qualquer parca leitura.
(Pergunte a moira
se V. não se entende com a escrita
leitor dependente).
Que luz frágil do acetileno lento
desanuvia.
Tudo parece vestido de branco maculado
ao meio-dia. Só a alma (está nua como o rei)
é escura e fria
(como tecido de gelo assaz).
Doo cavos passos surdos
e uivos nus
a quem me lava (a alma parda).
Pois assim é a vida poeta vital.
(Ao fim dessa sétima página
- na contagem original, sinto-me
iníquo unicamente inócuo.
(E porque inocuo em mim algo iníquo
ou porque iniquo em mim todo o inócuo?)
Os braços do sobretudo que Álvaro
emprestou de CDA eram vesgos.
E não erradios. Mas ásperos.
Incompletamente longos.
Ante fatia branca de tempo estanco
a fome. Paro. Urdo. Engulo. Animo-me.
Prestes a ansiar
e haustos prenhes de suor verter
rosto acima, testa abaixo, estou.
(Arranco cuidadoso e estéril
da leitora impotente
hímen asséptico. E oculto.
Pois os mortos também não amam. E não mais suam).
Sobre o vidro fosco do caixão debruçado vejo
que sou seu conteúdo iníquo. E real.
Vendo-me assustado e frio
(quase comovente?)
educado olhar lança-me e improvável
o cadáver envidraçado. (De olhar goro).
Agastado, vítreo, profundo cadáver.
Lanço soslaio e fujo.
Luta e fuga em mim dão-se as mãos.
(Eu ante mim mesmo do outro lado
dentro e fora do caixão último).
Sinto-me mais complacente
- e menos hímen
do que antes (ou ontem).